segunda-feira, outubro 30, 2006

A fortuna do Yokozuna

Desta vez regulo-me ao anseio de Tóquio e antecipo um mês o esvaziar da bilheteira. Não me arrependo de ter escolhido um dos lugares mais afastados do ringue para assistir ao torneio de sumo (lê-se sumô). A vida é assim: tenho o privilégio de ver os combates na arena de Ryogoku junto a Toshi, o penta-campeão júnior de sumo de Tóquio.

Com a simpatia de uma tradutora, esclarecemos o nosso mútuo interesse. Eu pergunto-lhe sobre o sumo, e a fortaleza de onze anos questiona-se sobre mim: Porque não tens aliança?” “Ainda sou muito novo” não o convence e dá-me força em japonês… “Gambatte!”
Enquanto assisto aos demorados rituais xintoístas que antecedem os combates, Toshi poisa a mão no meu joelho sem que eu entenda porquê. É a primeira criança nipónica que atravessa comigo a fronteira da timidez.

É o desporto com mais fair-play que alguma vez vi. Cinco árbitros ajuízam qual o primeiro lutador a sair do ringue ou a tocar no chão com qualquer almofada de gordura que não os pés. Em caso de dúvida, repete-se o combate.
Ninguém comemora ou reclama. E há em dinheiro em jogo, muito. Vejo o Yokozuna, o mongol Asashoryu, enriquecer 20.000 euros em poucos segundos, entregues num envelope logo após o combate. Nenhum lutador esboçou qualquer reacção.

Traduzem-me o que expressa a confiança do seu diálogo: Toshi quer atingir o estatuto de Yokozuna (grande cinto), seguindo o caminho do sumo, um longo trilho de subserviência e injecção de obesidade. Toshi terá de iniciar-se no ranking a cozinhar para os superiores o chankonabe, a especialidade culinária dos lutadores de sumo, à base de proteínas e muitas tigelas de arroz. Para inchar o seu poderio no ringue, os lutadores dormem depois das refeições.
Mais imagens do torneio de Sumo, aqui.

quarta-feira, outubro 25, 2006

Genica depois dos 100

O mais velho japonês da actualidade chama-se Tomoji Tanabe. Acorda madrugador para ler o jornal, continua a escrever um diário e não bebe álcool. Tem 111 anos, e é uma das 28.395 pessoas centenárias do Japão (das quais 24.245 são mulheres). É este o país do Mundo em que se vive mais tempo e com mais saúde.

segunda-feira, outubro 23, 2006

Faltam três ienes

Peço outra cerveja. Faltam três ienes para os 200 que vale mais um terço de litro de álcool no meu sangue. Akane, a empregada que me conhece das nama biru que lhe pedi, diz-me que não pode ser. Não me surpreende. No Japão 200 nunca é 197.
Mesmo que três ienes sejam uma insignificância de 0,02 cêntimo de euro.

sexta-feira, outubro 20, 2006

De volta a Tokyo em trânsito vermelho e branco



quinta-feira, outubro 19, 2006

Ironia da viagem - Matsushima e Nikko

Nos lugares turísticos brinda-me o cinzento do céu.

Matsushima é uma baía que aglomera mais de 250 ilhas (shima) cobertas de pinheiros (matsu), considerada uma das três mais belas paisagens do Japão. Não tive opção senão descair no enliço de pagar para ver, num das dezenas de barcos que turvam a baía.

O templo xintoísta de Nikko foi construído em 1617 em honra de Tokugawa Ieyasu, o primeiro Shogun de linhagem Tokugawa, que durante o Período Edo governou o Japão. Shogun significa General e a administração é um shogunato, com poderes militares e políticos. Resiste aos turistas o "prodigioso Nikko", um retiro espiritual ou uma homenagem à ditadura militar.

Fotografias, aqui.

terça-feira, outubro 17, 2006

Peripécias de viagem para todas as idades

Sem eu lhe pedir anima-me a bateria das sensações, aponta-me o trajecto até Hokkaido, descreve os lugares que já visitou orgulhosamente a pé.
Partilha comigo o bilhete “Juventude 18”, para todas as idades, porque a idade é uma conta de subtrair cujo resultado não é matemático. Este sessentão é um jovem.
Hoje vou caminhar 20 Km, estou a treinar“ e é a irrequietude dos olhos de uma criança que se despede de mim.

quinta-feira, outubro 12, 2006

Peripécias de viagem - Sendai

Jantar entre amizades de quem passa.
(Misuzu, Tiago, Shiôji, Futoshi, Rie e Natsuko)

quarta-feira, outubro 11, 2006

Hirosaki

Chego a Hirosaki quando o Sol cora por se despedir. Tenho de decidir em instantes se fico ou continuo por mais terras no pouca-terra. Quero ficar pelo que leio no guia sobre o castelo, mas a minha conta bancária está indecisa. É ela que ouve a resposta no Posto de Turismo: o Hotel mais barato é o Cápsula, que inclui onsen. A conta bancária não torce o nariz e eu ergo as sobrancelhas. É a oportunidade de aliar duas estreias.



O espaço nipónico é racionalizado à densidade populacional. Normalmente exclusivo a homens, a cápsula é um beliche fechado, com televisão, rádio e despertador. Um mundo machista no qual vou descobrindo as regras sem perguntar.

Dispo-me e entro no onsen sentindo-me um alienígena. De imediato o banho quente ferve-me de relaxe.
Do you like the japanese hot springs?”, pergunta-me um senhor barrigudo. É o Professor Kozuma. Os seus alunos de Psicologia Desportiva convivem no onsen descontraidamente nús, numa aula entre a sauna e a água quente e a sauna e a água fria. É, no mínimo, japonesa, a forma como conheço o psicólogo da Selecção Nacional de Judo. Convida-me para me juntar ao jantar. Despido de qualquer preconceito, aceito. O Prof. Kozuma acaba por me oferecer a refeição: a minha conta bancária esfrega as mãos e eu encho a barriga.

No dia seguinte, mostram-me no Turismo a bicicleta disponível. É pequena e feminina, mas é grátis, e vou num pedalar até à Rua dos Samurais: “A bicicleta dada não se olha a cor e o tamanho.”
Pelo caminho provo as famosas maçãs de Hirosaki. A cada dentada, cresce o desejo de voltar a este ar respirável de afabilidade que não existe na cidade. Lugares onde o mundo não acaba senão no recorte montanhoso do horizonte, aconchegando vidas em horas de pacatez.

Mais fotos de Hirosaki, aqui.

terça-feira, outubro 03, 2006

Peripécias de viagem - Encontros ferroviários

Arregala os olhos mal invado a carruagem, pergunta-me se sou americano.
Steven é a primeira pessoa que eu encontro que me diz "I’m sorry but I can’t tell you my work.”
As minhas interrogações aderem à velocidade do comboio. “If I like Bush? Oh absolutely, he is defending our country.” Desvendo finalmente o mistério das armas de destruição maciça, estavam no Iraque mas foram escondidas na Síria.
Apesar das suas respostas confiantes, descubro neste encontro fugaz que Steven investiga a ameaça nuclear da Coreia do Norte, numa base americana em pleno deserto de arroz.
O que Steven não sabe é que acaba de falar com um espião disfarçado de viajante português, maravilhado com as horas do dia passadas em comboios regionais a reter a paisagem japonesa.

segunda-feira, outubro 02, 2006

Sobre a memória sob carris

Ouço os gritos de silêncio entre a melodia experimental dos instrumentos carris. A maioria dos passageiros não admira a paisagem como eu faço. Não há conversas corriqueiras, o melhor é descansar... Outros solicitam afecto aos botões do telemóvel, o tamagochi social em que se viciaram os japoneses.
À minha frente, a menina retoca a maquilhagem durante vinte minutos, quilómetros ou paragens, já não sei.

Sei que sempre venerei mapas. São as cartas mais mágicas: depois de percorrer o trajecto no mapa pequeno de papel poderei projectar-me para sempre no mapa infinito da memória.

A criança que me acena, os rapazes consolados com as consolas, o senhor que me diz “Oh! You are traveling alone, that is very good very good!”, a mulher mais bela no lugar mais remoto, os olhares curiosos, a simpatia do pica que me empurra nos transfers de estação, nos transfers de espaço… É isso mesmo que eu faço, um transfer de mim próprio nos caminhos infinitos que percorre este estranho veículo em que vivo. Viajar é o meu combustível.

No comboio do Nippon, aqui.