quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Gestão Internacional das Emoções e a bolinha da roleta russa

INOV Contacto. Nona edição, segunda fase.
Faço parte de um conjunto de uma centena de jovens seleccionados para o Programa Contacto - Estágios Internacionais.
O programa patrocinado pelo ICEP inclui, numa primeira fase, um Curso de Gestão Internacional, que foi intensificado durante dez dias no Hotel Ipanema Porto, na cidade do Porto, no final do primeiro mês de 2006.

Fui dado como apto para o programa por ter um espírito aberto. Por me sujeitar a aceitar o destino que o destino me reserve, desde Madrid a Auckland, na Nova Zelândia. Por falar outros idiomas. Por ser sincero. Por gostar de viajar e conhecer novas culturas. Por estar preparado para choques culturais. Por estar preparado para choques.

Naquele hotel não tive nunca espírito aberto. A abertura de espírito cerrou-se dentro de um colete-de-forças imposto. Por estar preparado para choques…
A sensação de enclausura física e psicológica foi próxima à de um Big Brother, só que neste caso havia código de vestuário: por haver orador convidado ao almoço ou ao jantar não me era permitido tirar o apertado casaco executivo para saborear uma escaldante carne assada no forno plástico dos hotéis de muitas estrelas.
Coffee-break: cafeína, açúcar, tabaco, mais açúcar. Horários para cumprir, fatos para vestir. Choques térmicos de ares condicionados condicionadores de estados de saúde. Níveis de ansiedade altíssimos. Níveis de concentração baixíssimos. A criatividade artística ao rubro: revelaram-se gestores cartoonistas, economistas caricaturistas, engenheiros poetas, doutores pintores.
As relações humanas redobram-se dentro de um Big Brother. Não mais esquecerei aquela semana de suores ansiosos, nem os colegas agora amigos que mais a partilharam comigo.

O curso intensivo foi intensificando a tensão de cada um. Só no jantar final se sabe o destino do estágio. É a Gestão Internacional das Emoções.
Fui-me sentindo sempre como uma bolinha saltitante da roleta russa.
Eu, a bolinha. A roleta, o globo terrestre.
Não fui doutor nem engenheiro, nem nunca serei.
Fui como uma bolinha da roleta russa. Que não sabia onde ia parar e que teve de
se aguentar a saltitar durante dez dias.


(o texto seguinte foi escrito durante uma das sessões do Curso de Gestão Internacional)

Descarga de stress por uma caneta” (27 de Janeiro de 2006)

Estou aqui de corpo presente e de mente ausente, é um colete-de-forças ontológico que me senta na cadeira e onde me assenta um casaco estupidamente atípico de qualquer tentativa de produtividade. São as etiquetas morais que mandam, as imagens mentais que comandam. Os códigos de vestuário que existem para quem não tem fato de facto porque não tem que ter já que se não tem papel verde não pode ver o semáforo verde para avançar no tráfego socialmente aconselhável o que no dicionário das cidades executivas é o mesmo que dizer imposto como as gravatas espampanantes e enforcantes de mentalidades conformistas.

Que faço eu aqui. Cumpro. Surjo às horas marcadas. Visto o aconselhável. Mudo o aconselhável. Perco tempo a mudar o aconselhável. Reajo ao aconselhável. Que faço eu aqui. Estou aqui. Estou aqui mas não sou eu que aqui estou. Sou aqui aquilo que querem que eu seja. Mas se querem que eu seja como eu não sou, como consigo ser eu? É o labirinto de caminhos predestinados que me faz pisar as mesmas poças espezinhadas por outros que se condenaram a não ver a saída do labirinto. Eu já vi a saída. Ela simplesmente não existe porque o labirinto não existe.
Que faço eu aqui. Quero ver-me daqui p’ra fora. Quero ser alguém que lhe deixam ser alguém. Somos todos diferentes de maneira igual porque o mundo é diferente mas caminha sempre de forma igual.