quinta-feira, abril 27, 2006

Revolução do 27 de Abril

Dia 27 de Abril de 2006. É hora da minha revolução.
Vou deixar cair o meu regime cultural. Vou deixar cair o meu regime económico. Preparo-me para ser independente pela primeira vez na minha vida.

11h40 da manhã, na rádio ouvem-se os motores do avião.
É o sinal para marchar em frente. Liberdade...

Troco cravos por sakuras, numa revolução do atlântico para o pacífico, do pacífico para o frenético. É na música que me refugio em momentos de ansiedade. Nos silêncios infinitos de concentração, as melodias dão ignição à minha motivação.

Sinto um vazio interior que se prepara para receber uma enchente de sensações.
É esta a distância da minha revolução: a distância do vazio para o cheio.
Do outro lado do mundo ninguém me espera,
eu espero tudo de alguém que não sabe que me espera.

quinta-feira, abril 20, 2006

Na Bagagem do Viajante

“Foi assim sempre que gostei de caminhar, vinte ou trinta quilómetros sem um descanso, apenas o rápido sorvo na bica de uma fonte, e ala!”. José Saramago, Na Bagagem do Viajante. É o primeiro livro que leio do nobilíssimo escritor e o último de autoria portuguesa antes de voar para Tokyo, no próximo dia 27 de Abril, finalmente uma data confirmada.
Em períodos de preparação de viagens, há sempre um bichinho que me invade. Não é o bicho-carpinteiro, esse está sempre dentro de mim. É o bichinho viajante que incomoda pela ânsia que sente em viajar. Não gosta da tarefa quase frete de fazer a bagagem. Prefere cantar “pegar na trouxa e zarpar”.

Incontornavelmente, a tarefa de fazer a mala, construí-la peça por peça, seguindo a linha de produção, que fora já desenvolvida pelos fabricantes de malas, é repetida no acto de fazer a mala, por viajantes e turistas em vésperas de deslocações: dobrar camisas, acomodar a roupa interior, a organização eficiente do espaço, a lista de afazeres e bagagem a levar ainda com o v de visto por apontar.
Agora que deixo o quartel-general genealógico por mais de nove meses, há que seleccionar e quantificar as substâncias tangíveis, aquelas que ocupam espaço, quilos e cifrões nas malas, na bagagem do viajante. Os escritos de Saramago embalaram-me para as substâncias intangíveis, que não cabem na mala mas fazem parte da bagagem do viajante.
Da bagagem que não levo na mala, não me posso esquecer da técnica vital do nó da gravata, ainda por aprender, tarefa que vou realizar apenas todos os dias de serviço; treinar a técnica útil do manejo dos hashis, em português “pauzinhos”, para levar o arroz à boca; tomar as doses de vacina contra a febre tifóide e a encefalite japonesa; conseguir um nível sobrevivente do idioma japonês, e muitas horas a observar atentamente os caracteres Hiragana e Katakana.

Na bagagem intangível do viajante estagiário, há uma peça do valor de uma vida que levarei comigo na mala dos sentimentos: a amizade feita há três anos atrás com o Ryuji, companheiro dos tempos de futsal na equipa da Universidade de Aveiro.
Recordo como lhe enviei em Fevereiro um email amedrontado em inglês a informá-lo que iria trabalhar para Tokyo. O receio de que já não usasse aquele email. O receio de que já não se lembrasse de mim.
Cinco dias depois, arregalo os olhos com uma resposta em português:
“Bom, Nossa senhora! Que fixe que vais vir pró Japão! Que miragre! Estou muito contente que podemos ver de novo!!! Já estou ancioso que encontrarmo-nos.”

sexta-feira, abril 14, 2006

Contraceptivo bibliotecário

A entediante espera trimestral do estagiário por um sinal de permissão de descolagem por parte da Torre de Controlo do ICEP foi sendo ocupada pela ingestão literária dos mais variados temas relativos à cultura japonesa. Como português, comecei pelo princípio. Pelo primeiro contacto luso-nipónico, século XVI, auge da veia descobridora lusitana. São Francisco Xavier e Luís Fróis lideraram diversas missões de cristianização.
Surpreendeu-me a importância decisiva para o Japão da chegada das naus portuguesas: “São tão curiosos e importunos em perguntar, tão desejosos de saber, que nunca acabam de perguntar e de falar aos outros as cousas que lhes respondemos (…). Não sabiam eles [que] o mundo é redondo, nem sabiam o curso do Sol”, S. Francisco Xavier, ano de 1552.
Além da religião cristã, da sabedoria científica e geográfica, Portugal introduziu a arma de fogo nas ilhas nipónicas. A espingarda portuguesa resolveu conflitos intermináveis entre clãs rivais japoneses: resolução japonesa à portuguesa, a tiro com certeza.
Os japoneses souberam aproveitar a presença lusa: “É gente pouco cobiçosa e muito maviosa. Parece que vos querem meter na alma. São muito desejosos de saber de nossas terras e de outras coisas, se soubessem perguntar”, conta o explorador Jorge Álvares.

Depois das ex-colónias portuguesas, o Japão é o país do mundo que mais influência sofreu de Portugal.
Estas novidades históricas aguçaram-me a motivação para a pesquisa cultural, levando-me a passeios deambulatórios por arquivos bibliotecários.
Um encontro fortuito numa biblioteca conimbricense, e chega-me às mãos famintas de virares de páginas o livro ”Sushi Bar, Nós e os Japoneses”. Rejubilei, idealizando no livro uma autenticidade quase bíblica, um manual de preparação para o choque de culturas.
Catapultado por uma curiosidade voraz, inicio a leitura, linha após linha, século após século, nós e os japoneses.
Desisto ao terceiro capítulo do livro.
A experiência contada em Sushi Bar por Eduardo Kol de Carvalho, comete em mim o que me permito intitular de «assalto por negligência». Senti-me lesado em sensações. Não quero saber o que sente um português quando está num avião da Japan Airlines, quando chega a Tokyo, quando anda pela primeira vez no metro.
Prefiro fazer prevalecer a minha virgindade de sensações do efeito nipónico contemporâneo.
Não quero estar preparado para o choque. Saio em missão exploradora numa nau voadora, como se fosse por “por terras nunca dantes navegadas”.

terça-feira, abril 04, 2006

"E você vai mesmo para um sítio exótico..."

Não sei quantas horas passei em autêntico transe digital a ver o vídeo do jantar final do Curso de Gestão Internacional, quando os estagiários, um a um, ficaram a saber o destino do estágio.
Quando entro em cena, martirizado depois de oito dias ansiosos e martinizado depois de oito copos nervosos, observo como peço inquieto ao Prof. Alberto Castro, orador da noite, por “Sítios exóticos, sítios exóticos!”. Diz-me: “Pá, você vai para o ICEP, já é um sítio exótico”. Vejo-me a pôr as mãos na cabeça, ao lado de dirigentes do ICEP. Reajo. Depois conclui: “E você vai mesmo para um sítio exótico, você vai para o Japão”. Observo como volto as costas, agito as mãos, saio da sala. Reajo.
É-me impossível explicar aquelas reacções. Não consigo entender-me agora que me vejo sob o olhar supremo do registo fílmico. E ponho-me a reflectir sobre se é possível teorizar a posteriori sobre uma reacção individual. Não sei.

“Chile. Ou Cabo Verde”.
Era esta a resposta que dava quando me perguntavam para onde sonhava eu ir no Programa Contacto.
O Chile sempre foi uma perdição. Desde a veneração inocente da Ilha da Páscoa à luta ciberespacial por um “Erasmus” em Santiago do Chile, e todo um continente de sangue latino por descobrir numa viagem Poderosa. Cabo Verde é uma paixão que me invadiu o inconsciente depois de uma quinzena veraneante. O sorriso das crianças da Praia é uma perigosa endemia contagiosa.
Dois lugares de povos terra a terra, pobres de carteira, ricos de espírito. Agora que me interpreto a mim próprio, talvez quisesse saber como dar à vida simplicidade e receber simplicidade em troca, aprender como ser simples, ou tentar aprender a ser feliz, ou tentar aprender a ser feliz sendo simples. Não sei.

Mesmo sendo formalmente um estágio internacional, para mim o Contacto nunca deixou de ser um voo internacional, uma viagem sonhada, uma oportunidade única de sentir uma cultura antípoda.
Tinha feito uma lista mental de cinco países, que incluía o Japão.
Sítios exóticos… O Japão é dos lugares mais exóticos do mundo, porque é, aos olhos portugueses, diferença, choque, extravagância. Consumismo desenfreado, multidões ordenadas, formalismo rigoroso, tecnologia futurista. Muito pouco terra a terra. Mesmo ricos de carteira, os japoneses são ricos de espírito, espero confirmar.
Não me vejo agora a trocar Tóquio pelo Chile ou por Cabo Verde. Sei que se pudesse trocar, não o faria. Explicar porquê, não sei.

É a experiência extravagante que me espera que pesou na minha decisão de ter um espaço virtual - o blog - em que perpetue aquilo que vou ver e sentir. É também uma obrigação que faço a mim próprio, a de escrever uma vez por semana para o blog, a contar em palavras e em fotografias quão perdido vou andando pela cultura japonesa, mas também a contar uma viagem de exploração interior.
Outra razão óbvia é que usando as expressões orais coloquiais do português das noites jovens como “tipo”, “cena”, “coisa”, “na boa”, “brutal” ou “curti bué” não ia nunca conseguir descrever devidamente à família, amigos, conhecidos e desconhecidos, as peripécias porque passarei. Além de tudo isto, confesso que a viagem sonhada que fiz paralelamente à viagem de Gonçalo Cadilhe e os seus artigos na revista “Única” motivaram-me para continuar a busca anti inércia e a “fuga para a frente”, que persiste dentro de mim desde os meus quinze anos, altura da minha primeira viagem interculturas.
Obviamente, nunca colocarei os textos do blog à frente dos afazeres profissionais na delegação do ICEP, onde vou estagiar. Mas quero, mesmo assim, cumprir a promessa semanal. O tempo logo dirá se o vou cumprir. Eu, por agora, não sei.

Que venha o exotismo do Japão. Mal posso esperar. Mês de Abril, mês da Liberdade, mês de libertar-me do meu país pelo máximo período de tempo desde há 24 anos, quando chorei pela primeira vez.
Quando voltar, mal vou poder esperar pelo próximo estágio cultural.
Chile. Ou Cabo Verde”. Em qual estagiarei primeiro? Não sei.