quarta-feira, novembro 21, 2007

Tudo parece diferente

Nesta vida de negocios, em que nao passa um dia em que nao estejamos na posicao de cliente, as chatices pessoais podem nao ser inevitaveis, mas, no Japao, as chatices que ocorrem quando somos clientes sao, de todo, evitadas. Varios episodios sudesteasiaticos provam a minha inadaptacao a culturas que antes do efeito niponico me eram naturais.

Chego ao restaurante esfomeado. Preciso de uma malga de arroz para reajustar o QI. (Na Asia dao-nos sempre o arroz). Avanco pelo restaurante, escolho um lugar longe do ar condicionado, e sento-me. Ninguem me da atencao. A cozinheira comove-se com o desenlace da telenovela, a empregada folheia a revista, o empregado segura a cabeca contra a parede dos sonhos.

"Isto era impossivel acontecer no Japao!" e um dos pensamentos que mais desliza no para-brisas do meu cerebro. Tenho de avisar as pessoas que querem fazer lucro comigo que estou ali e lhes posso proporcionar esse lucro; tenho de pedir o menu; solicitar um copo com agua; e no fim, de barriga cheia pronta para a passeata, tenho de esperar que percebam que eu quero pagar.

O que me vale e que no Japao aprendi a ser (mais) paciente.

Na terra do Sol Nascente nao e preciso pedir o menu; nao e preciso pedir um copo com agua; nunca se espera para pagar. O menu esta em cima da mesa ou a vista de todos, espalhado pelas paredes do restaurante; um copo com agua fresca e a normal oferta de boas-vindas; se pagar para viver e um ultraje para o ser humano, esperar para pagar e o ultraje para o cliente. E no Japao o cliente e um ser divino, tratado de forma impessoal: a unica forma de evitar a solicitacao do livro de reclamacoes. (Nem estou certo da existencia desse livro).

Nao ha empregados com maus humores ou sindromas de preguica, nao ha trabalhadores atentos ao telemovel ou a televisao, nao ha… pessoas do outro lado do balcao. Sao formados para funcionar como maquinas. E as maquinas ate nos vencem a jogar xadrez…

Os empregados do hotel em que estou hospedado querem saber como prosseguem os meus estudos de tagalog. Tratam-me por Tiago; como um amigo. Param o trabalho para falar comigo. Ja nao sou cliente, passei a fronteira do profissional para o pessoal. Eu adoro passar esta fronteira: nunca pago taxas aldandegarias nem tenho de mostrar o passaporte. Mas, no momento em que algo acontece que sinto que deva reclamar, a barreira da amizade interpoe-se: "Entao Tiago, relaxe, somos amigos".

Agora entendo a forma robotizada com que somos atendidos no Japao. Em trabalho nao deve haver tempo para conversas extra-trabalho, logo nao ha relacao pessoal. Talvez so o Japao o consiga a nivel nacional.

O Japao nunca mistura nada. Nao ha jogo de cintura nem sorrisos francos. O que e e o que e. Negocio e negocio. O cliente e Deus. Conversa e conversa. Amigos sao amigos. Fim e fim.