quinta-feira, abril 20, 2006

Na Bagagem do Viajante

“Foi assim sempre que gostei de caminhar, vinte ou trinta quilómetros sem um descanso, apenas o rápido sorvo na bica de uma fonte, e ala!”. José Saramago, Na Bagagem do Viajante. É o primeiro livro que leio do nobilíssimo escritor e o último de autoria portuguesa antes de voar para Tokyo, no próximo dia 27 de Abril, finalmente uma data confirmada.
Em períodos de preparação de viagens, há sempre um bichinho que me invade. Não é o bicho-carpinteiro, esse está sempre dentro de mim. É o bichinho viajante que incomoda pela ânsia que sente em viajar. Não gosta da tarefa quase frete de fazer a bagagem. Prefere cantar “pegar na trouxa e zarpar”.

Incontornavelmente, a tarefa de fazer a mala, construí-la peça por peça, seguindo a linha de produção, que fora já desenvolvida pelos fabricantes de malas, é repetida no acto de fazer a mala, por viajantes e turistas em vésperas de deslocações: dobrar camisas, acomodar a roupa interior, a organização eficiente do espaço, a lista de afazeres e bagagem a levar ainda com o v de visto por apontar.
Agora que deixo o quartel-general genealógico por mais de nove meses, há que seleccionar e quantificar as substâncias tangíveis, aquelas que ocupam espaço, quilos e cifrões nas malas, na bagagem do viajante. Os escritos de Saramago embalaram-me para as substâncias intangíveis, que não cabem na mala mas fazem parte da bagagem do viajante.
Da bagagem que não levo na mala, não me posso esquecer da técnica vital do nó da gravata, ainda por aprender, tarefa que vou realizar apenas todos os dias de serviço; treinar a técnica útil do manejo dos hashis, em português “pauzinhos”, para levar o arroz à boca; tomar as doses de vacina contra a febre tifóide e a encefalite japonesa; conseguir um nível sobrevivente do idioma japonês, e muitas horas a observar atentamente os caracteres Hiragana e Katakana.

Na bagagem intangível do viajante estagiário, há uma peça do valor de uma vida que levarei comigo na mala dos sentimentos: a amizade feita há três anos atrás com o Ryuji, companheiro dos tempos de futsal na equipa da Universidade de Aveiro.
Recordo como lhe enviei em Fevereiro um email amedrontado em inglês a informá-lo que iria trabalhar para Tokyo. O receio de que já não usasse aquele email. O receio de que já não se lembrasse de mim.
Cinco dias depois, arregalo os olhos com uma resposta em português:
“Bom, Nossa senhora! Que fixe que vais vir pró Japão! Que miragre! Estou muito contente que podemos ver de novo!!! Já estou ancioso que encontrarmo-nos.”