Dizem que o Mundo é pequeno, e dizem bem. Então digam-me agora também, de que tamanho é a maior cidade do Mundo.

Kim ainda não é fotógrafa profissional no sentido da independência económica. Sem dúvida que é uma profissional na dedicação e talento. Diz-me que a próxima exposição já terá as fotos dos Zoos. O jardim zoológico é o seu lugar fotográfico. Há meses que percorre os Zoos da Ásia fotografando os animais, os leões tristes, os chimpanzés que observam as pessoas, o rato que aguarda a morte dentro da jaula da serpente, as crianças que alimentam os elefantes, quantos temas a explorar num só lugar?

Cruzámos os nossos caminhos no Aeroporto de Narita, na fila para um embarque sudeste asiático.
Dei-lhe a minha vez, porque me educaram que em primeiro estão as senhoras. Um gesto de uma educação. Para Kim, que ainda hoje brinca com o assunto, foi um acto de engate. Quando digo a Kim, por exemplo, que a sua amiga é muito bonita, Kim volta a insistir com a crónica do engate. Eu tento explicar-lhe que há uma diferença entre o engate e ser latino.
A vida é um dominó de sequências. Sucedeu que nos encontrássemos novamente na carruagem do comboio que faria a ligação Aeroporto – Estação Central de Kuala Lumpur. Eu estava de férias. Precisava de férias do Japão. Quando vi Kim entrar na carruagem as palavras saíram sem controlo, porque do espontâneo se faz o latino:
“Nihonjin desu ka?” disse a mesma pessoa que precisava de férias do Japão.
“Oh falas bem japonês.”, disse Kim em japonês, tal como um japonês, com surpresa.
“Esforço-me.”, disse eu, antes de Kim responder finalmente à pergunta inicial: “Nasci coreana mas agora tenho passaporte japonês.” E a partir daí começámos a comunicar principalmente em inglês. Esporadicamente em japonês. Muitas vezes sem necessitar sequer de falar.
Caímos de súbito num carrossel de coincidências: ambos carregávamos o peso da paixão pela fotografia; descobrimos que somos vizinhos em Tóquio; que ambos jogamos futsal regularmente nos campos de Shinanomachi; que ambos somos uma mistura, Kim, de Coreia e Japão, eu, de Portugal e de ainda-não-sei-de-quê; e ao saber isto, no auge do carrossel, Kim reage jovial por poder finalmente conhecer um natural da terra em que ela e seu marido um dia sonham viver.
O marido de Kim sonhou um dia que era um marinheiro de Portugal dos tempo dos Descobrimentos. Sori acredita que, noutra vida, foi esse marinheiro. O seu inconsciente levou-o a pensar consciente, e juntos, Sori e Kim já visitaram por duas vezes o meu país. Adoram o vinho, o bacalhau, e o Alentejo.
Logo ali, naquela carruagem transformada por momentos em carrossel, que prosseguia entre bananeiras ao vento, nos tornámos amigos. Um acto instantâneo, como tirar duas peças de um saco de puzzle e encaixarem assim, tão natural como as bananeiras ao vento.
Que foi para mim encontrar Kim? Confirmar que viajar é a melhor Universidade? Que é o lugar que nos ajuda a ajustar aos nossos desígnios? E que foi para Kim encontrar-me? Ter um jogador estrangeiro no seu clube de futsal? A certeza da ligação a Portugal? Uma motivação para alcançar o sonho do casal?
Será destino? Quantas perguntas sem resposta existem? O destino não é só uma sequência de acontecimentos? Como as peças do dominó, umas caem, outras ficam de pé. É tudo tão acidental como eu ter sido o primeiro espermatozóide a chegar ao óvulo da minha mãe.
Destino… Fatalidade. Fado. Portugal. Não é por aqui o caminho. O caminho é em frente! Há que descobrir novas peças de dominó. E Kim descobriu a sua dedicação ao Zoo. Admiro o acidente da nossa amizade e admiro muito a sua dedicação ao Zoo. É um dos seus focos.
Eu desoriento-me por ver tudo desfocado. Ainda não cheguei acolá e já mudei de rota para ali. É só isso que eu sei fazer, deixar-me ir na corrente, viajar. A tal ponto que superei o meu ídolo de infância, Willy Fog, que precisou de 80 dias para dar a volta ao Mundo. Eu só precisei de duas horas. Bastou-me ver o filme Baraka sentado no sofá.
Mas na semana passada bati de novo o meu recorde. De volta ao campo de futsal, percorri quilómetros de divertimento, viajei por entre jogadas de amizade, cheguei à Estação Central das recordações. Dia 16 de Agosto, lá estarei em casa do casal amante de Portugal, para ver o céu de Tóquio explodir de artifício, acompanhado de vinho do… Alentejo. Será mais uma viagem de muitos quilómetros.