Um gajo que se adapta
Não é porque ande ocupado. A ocupação é relativa. Há quem se ocupe no sofá invadido pela caixinha da demência. A ocupação é relativa. Comparando o meu diário com a vida de um salaryman da capital, que destrói horas todos os dias em viagens suburbanas, de pé, tentando ler o jornal... Ou tentando adormecer, descansar antes de um dia igual ao de ontem, sem tempo para fazer de marido, sem tempo para ver a filha crescer… Não posso andar ocupado. A ocupação é relativa. Há tempo para tudo, até para sobreviver.

Será desilusão para com o Japão e sua gente? Naaaa, desilusão não é certamente. Não falta do que escrever, do que criar lixo cibernético. Se bem que no meio do entulho sempr’alguém encontra um valor a que se associa: ou à amizade, ou ao fascínio pelo hilariante, ou ao vício de ler os outros.

Ainda bem que o meu nível de japonês é miserável, porque se não o fosse e o reflexo no espelho não olhasse para mim, ainda me convencia que me havia tornado japonês. Acontece a muitos bons estrangeiros. A vénia pega-se. Pensar em japonês é surreal mas sucede. A surrealidade do Japão também não deixa de suceder. E por navegar no meio dela me esqueço de que o Mundo lá fora, longe desta ilha amaldiçoada por pontos de interrogação, é que é o Mundo real. Onde as pessoas discutem nas ruas. Onde as pessoas discutem nas ruas sujas. Onde as pessoas discutem nas ruas sujas porque as pessoas deitam piriscas para o chão. Onde as pessoas fumam os sentimentos umas das outras. Onde o cliente é tratado como delinquente. Onde as mulheres falam como homens. Onde subir ao 47º andar não é normal. Onde não há ruas com dois sentidos para peões. Onde a desordem é a ordem.

Vou voltar ao amadurecer. Como aprendi do Japão, o que se diz que se faz, faz-se. Faz-se bem. E no momento X.
“Amanhã voltarei.“ Com um texto sobre amizades que não têm explicação. Se não voltar amanhã, foi porque bebi demais nas festas de Kagurazaka. E não serei incumpridor por isso. É apenas o sinal de que ainda estou verde de Japão.
O melhor será dizer: “Voltarei.” É mais certo. Mais japonês.