sexta-feira, julho 27, 2007

Um gajo que se adapta

Perguntar faz bem, apesar de nem tudo tenha de ter explicação. Porque diminuiu o ritmo de me escrever aqui?
Não é porque ande ocupado. A ocupação é relativa. Há quem se ocupe no sofá invadido pela caixinha da demência. A ocupação é relativa. Comparando o meu diário com a vida de um salaryman da capital, que destrói horas todos os dias em viagens suburbanas, de pé, tentando ler o jornal... Ou tentando adormecer, descansar antes de um dia igual ao de ontem, sem tempo para fazer de marido, sem tempo para ver a filha crescer… Não posso andar ocupado. A ocupação é relativa. Há tempo para tudo, até para sobreviver.

A fonte de inspiração não secou. Musas não faltam. O que falta é entender algumas hipotenusas. O poço das ideias está cá, e ao contrário do globo, tem muita água potável. E essa água vai afogar de trabalho algumas editoras no meu país. O trabalho de não dizer sim. Ou a tarefa ainda mais árdua de não dizer sim nem não.
Será desilusão para com o Japão e sua gente? Naaaa, desilusão não é certamente. Não falta do que escrever, do que criar lixo cibernético. Se bem que no meio do entulho sempr’alguém encontra um valor a que se associa: ou à amizade, ou ao fascínio pelo hilariante, ou ao vício de ler os outros.
Dei conta de que o que tem reduzido o ritmo frenético desta minha exposição em forma de blogue foi o que se pode chamar de "fenómeno do encaixe". Do habituar-se.
Ainda bem que o meu nível de japonês é miserável, porque se não o fosse e o reflexo no espelho não olhasse para mim, ainda me convencia que me havia tornado japonês. Acontece a muitos bons estrangeiros. A vénia pega-se. Pensar em japonês é surreal mas sucede. A surrealidade do Japão também não deixa de suceder. E por navegar no meio dela me esqueço de que o Mundo lá fora, longe desta ilha amaldiçoada por pontos de interrogação, é que é o Mundo real. Onde as pessoas discutem nas ruas. Onde as pessoas discutem nas ruas sujas. Onde as pessoas discutem nas ruas sujas porque as pessoas deitam piriscas para o chão. Onde as pessoas fumam os sentimentos umas das outras. Onde o cliente é tratado como delinquente. Onde as mulheres falam como homens. Onde subir ao 47º andar não é normal. Onde não há ruas com dois sentidos para peões. Onde a desordem é a ordem.
Sou um rapaz adaptável. Um gajo que se adapta. E convenci-me que por cair na rotina do Japão ser a minha casa, sou pertença dele próprio. Como os olhos que só se abrem em viagem. Eu não conheço todos os monumentos da minha terra. E aqui já vi tudo o que há para ver. Lá estou eu convencido… nem tudo! Há que dispertar com os inconstantes beliscos psicológicos que me recordam quão verde sou de Japão.


Vou voltar ao amadurecer. Como aprendi do Japão, o que se diz que se faz, faz-se. Faz-se bem. E no momento X.
“Amanhã voltarei.“ Com um texto sobre amizades que não têm explicação. Se não voltar amanhã, foi porque bebi demais nas festas de Kagurazaka. E não serei incumpridor por isso. É apenas o sinal de que ainda estou verde de Japão.
O melhor será dizer: “Voltarei.” É mais certo. Mais japonês.

7 Comments:

Anonymous Anónimo disse...

:)

27/7/07 8:01 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Apesar do descanso "temporal", é sempre agradável voltar ao blogue e encontrar sempre a qualidade expressiva dos teus textos. até breve

27/7/07 8:46 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Olá, prazer! Achei seu blog super legal!!
Sou japonesa e estou muito curiosa pelo que os estrangeiros pensam na nossa cultura. Também comecei a escrever sobre a cultura daqui, aproveitando que falo o português, em língua portuguesa.. Tenho que batalhar para escrever em outra língua, mas espero que tenha gente se interessa.. Qndo tiver um tempo dá uma olhada... Coloquei seu blog no favorito já :)

27/7/07 2:49 da tarde  
Blogger Tiago Ramos disse...

: )

27/7/07 9:40 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Eu também voltei à comunicação contigo. Deixas a dúvida sobre a razão de andares mais ausente da escrita... Cá para mim, fiquei com a ideia de que a tua capacidade de adaptação te pode estar a conduzir para uma sobrevivência à japonesa... Isto é, sem tempo para coisas que fazes muito bem, como a escrita partilhada. Atenção que a nossa latinidade é forte o suficiente para mantermos algum prazer na desordem...
Mais uma vez estou em vias de te seguir exemplo: adaptar-me por algum tempo ao Rio de Janeiro. É bem mais fácil do que no lado do Sol Nascente. Mas não deixa de ser um outro mundo para mim, principalmente pela distância.
Para me manter no "espírito", deixo-te um beijo e um voltarei.

30/7/07 3:29 da manhã  
Blogger Retro Emotional Weird Girl disse...

No Japão os estímulos surgem de todo o lado a um ritmo alucinante, especialmente os visuais.
Inicialmente há uma sede que nos faz querer absorver tudo de uma só vez. Aquele materialismo extremo e aparente complexidade "esmagam" um ocidental aquando do primeiro contacto.
Felizmente a adaptação é uma das grandes capacidades do ser humano.
Que não te deixes levar pelo desinteresse nem pelos "excessos" ;)
É sempre um gosto passar por aqui.

PS - E as musas? Com tanta diversidade e escolha é tão dificil encontrar uma alma gémea de olhinhos em bico :)
Será que há algo mais por baixo daquela capa espessa de virtuosismo cultural?

4/8/07 10:37 da tarde  
Blogger NoKas disse...

Bom dia!

:) Adaptáveis e flexíveis, acho que todos os que embarcam na aventura da mudança e da descoberta carregam esse "gene" consigo.

(até eu já bebo cerveja, coisa que não gostava, e uso t-shirt todo o ano, mesmo quando acordo com neve lá fora... nada que um casaco quente por cima não resolva, mas já há muito que me esqueci do que são camisas interiores.... :p)

9/8/07 5:14 da tarde  

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