segunda-feira, dezembro 03, 2007

(De regresso…) O regresso do País Paradoxo

1 Voltemos à saga da contradição: em quase dois anos de Japão, só vi um beijo dado em público: um casal de americanos, muitos sakés depois, a expor o seu amor-ou-lá-o-que-era-aquilo, provocando reacções de espanto nos japoneses transeuntes, que se riam da gratuitidade da performance. (Às vezes há uns adolescentes na estação de Shibuya, a trocar muito secretamente uns ténues encostares de lábios no meio da confusão - que nem se pode considerar beijo, e que só a bisbilhotice de ocidentais como eu e a omnipresença das câmaras de vídeo podem captar).
Ninguém se toca para dizer olá ou adeus, mas nas horas de ponta do metro ou comboio os corpos esmagam-se uns contra os outros. Ora, não há beijinho nem abraço mas há esmagadela com muito amor e apertinho.

2 É famosa a formalidade japonesa. Desculpas depois de obrigados, obrigados seguidos de por favores, respeita-se mais a etiqueta do que o próximo. Até que o álcool começa a fazer efeito e a formalidade fica de ressaca: é ver os salarymen aos ziguezagues pela estação de comboio, até que se deitam no chão e adormecem, sem deixar antes de vomitar em plena plataforma.

3 Os coreanos falam bem inglês, os chineses também, os vietnamitas não sei mas até os filipinos falam e bem. Os japoneses não. Ainda não. As expressões inglesas adaptadas como biru (beer), boru (ball), ou toire (toilet) são exemplos comuns da dificuldade dos japoneses em pronunciar consoantes isoladas. Os japoneses falam às sílabas. O que lhes dificulta a aprendizagem do inglês e, ao saberem que não falam bem, por timidez não falam.
Mas usam o inglês no desporto. De repente e sem que eu encontre explicação, perdem a timidez à volta de um bola e todos falam inglês: naisu pasu; senkyu; rasto purei; gudo shoto.
E eu começo a falar inglês às sílabas também.

4 O Japão é seguramente um dos países mais seguros do mundo. Tóquio é de certeza a mais segura das grandes metrópoles mundiais. (Só em caso de tufão ou terramoto é que será difícil segurar-se.)
No entanto, a maior rede de máfia do mundo é japonesa, a yakuza.

5 Não há perigo para o cidadão, é possível andar na rua à noite em qualquer área, as crianças andam sozinhas, as senhoras e os idosos também, não se vê delinquência, toxicodependência, nem reacções alcoólicas. Mas, e no Japão há sempre um mas, quando as pessoas se despedem dizem “kiotsukete kudasai”, toma cuidado por favor.

6 Songoku, porque é que tens os olhos tão grandes? Porque é que os personagens manga e anime têm os olhos tão grandes, se o manga e o anime nasceram no Japão e os olhos dos seus criadores, são... como dizer sem usar a expressão “em bico”…, asiáticos, ou seja, pequenos?

Aceite o paradoxal e desfrute o Japão, desfrute a vida. Existe contradição na busca de explicação das contradições, que eu não vou explicar nesta frase e assim até parece que me estou a contradizer, o que não faz mal nenhum: se o Japão se contradiz, quem sou eu para não me contradizer?
Se nem sabemos porque vivemos e onde vivemos, viver, só por si, é absurdo. O inexplicável faz parte da existência.
O mundo é uma rede de paradoxos, se abrir bem os olhos pode vê-los em qualquer lado. A diferença entre o Mundo e o Japão é que para ver paradoxos no Japão nem é preciso abrir os olhos. (Que é outro paradoxo.)