segunda-feira, dezembro 04, 2006

Acordes de Quioto

A nota musical mi é o leitmotif de viagem pela única cidade em que ainda remanescem machiyas, as casas tradicionais de madeira. Um bom-senso de preservação cultural livrou Quioto do átomo.
Ao chegar à Estação futurista que bombeia a soberania de turistas, cintila-me o arco-íris de cinzentos comum às metrópoles japonesas.

Na cilada do circuito sightseeing, uma pressão desentope em mim balbúrdias interiores. Enquanto me concentro para não vociferar e com o apetite a potenciar impaciências, resisto a uma hora de viagem pelas novas ruas do velho Japão, esmagado pelas contradições singulares desta cultura. Os japoneses não se tocam, jamais se beijam em público, e neste autocarro o amassar dos corpos é permanente e aos solavancos.

Com a independência de um pé atrás do outro conquistada, desisto de memorizar o nome dos templos que visito, esqueço-me quantas vezes Buda me sorriu. Quioto é um templo em forma de cidade que atrai multidões de ienes.
Volto por isso a suportar o frenesim turístico. Insistirei neste assunto enquanto me incitar que a maioria dos excursionistas viaje no tempo de uma pose para a fotografia. Depois de gravado na memória – da câmara –, acabou-se a viagem.

Refugiando-me na tecnologia para alcançar a tradição, ouço flautas MP3 que me recheiam de vácuo, desfruto o que outros desprezam e me transporta ao silêncio ritmado pelos sons da natureza de séculos atrás.
Mas a romaria destrói tentativas de meditação nas rochas Zen que induzem ao transcendental.
Os jardins Zen são sem dúvida de uma beldade inaudita, de uma placidez que emana energia. Mas não existem. Concebidos por arquitectos, são galanteados diariamente ao detalhe, atingindo o belo da mesma forma que está inscrito no nome das minhas companheiras de viagem, Fumi, Asami, Naomi e Yumi. Mi significa beleza, e em todas elas se amplifica para além do nome.
Apresentam ao seu ex-aluno de japonês o antepassado de Quioto, cantando pela manhã bebida de saqué acordes em mi maior.
Mais fotos de Quioto, aqui.

2 Comments:

Blogger a.mar disse...

talvez eu acorde um dia em Kyoto, também... um sonho

6/12/06 3:02 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

E, de repente, descubro que no círculo familiar paterno mais chegado não há a beleza do MI:
- a(ni)bal
- agos(ti)nho
- ma(ri)a gló(ri)a
- antó(ni)o
- (ti)ago
- claú(di)o
- fran(ci)sco

A nossa sorte é que não somos do País do Sol Nascente: tocando, de igual modo, a sensação melódica do acorde musical, não somos, porém, afectados pelo significado do MI ausente.

Aquele abraço do tamanho da saudade
Pai ( Xi )co

12/12/06 10:21 da tarde  

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