Migração
Não fazia ideia do quanto necessitava de ferias.
Descansar do trabalho, da metropole, da cultura japonesa. Parar.
Toquio absorve-me. Esqueco-me do resto do mundo. E estar noutra dimensao. Esqueco que o mundo deixa criancas morrer a fome, e eu faco parte desse mundo.
Em Toquio os minutos sao contados e a vida passa ao correr de cada minuto. Dou importancia ao tempo e ele esgota-se em mim. E assustador.
A cultura japonesa seca-me. Trabalhando e convivendo com japoneses torno-me eu tambem num bonsai. Amarrado as regras e a exigencia de harmonia.
Uma semana de ferias nas Filipinas facultou-me espaco e tempo – esse matrix onde achamos que respiramos. Sozinho e em silencio, caminhando na praia olhando o inacreditavel oceano, pude observar-me. Distanciei-me do meu eu no Japão e analisei-me: viver em Kagurazaka e confortavel. Habituei-me. Cai na rotina em Toquio.
Estou pronto a voltar ao Japão para mais um periodo de trabalho e olho no relogio. Levo apontado, como sempre, memorandos. Recados para mim proprio. Se tu proprio. Fala ingles sem usares o sotaque japones. Nao des tanto de ti, porque um ramo do bonsai sera cortado. Tenta distanciar-te e estar consciente dos actos. Sorrir. Disciplina. Gastar menos dinheiro em alcool. Continuar a respeitar os outros. Deixar-me ir.
Deixo-me ir…
2 de Outubro de 2007, Aeroporto de Narita 13:00
Aterro. Aos primeiros passos no aeroporto volto a escutar a tranquilidade do silencio (que no Japão tanto diz). Proxima etapa, burocracia. O poder dos governos. Uma obrigação, ou nao seremos cidadãos. Deixo-me ir.
Hesitam em carimbar o passaporte. Perguntam-me porque escrevi na ficha de desembarque que pretendo ficar por dois anos se nao tenho visto de trabalho. Explico que uma empresa me vai facultar o visto e quando o tiver inicio o trabalho. E estranho mas e verdade: ao mesmo tempo estou a mentir (porque ja trabalho para essa empresa) e a ser honesto (a empresa ia mesmo patrocinar o meu visto e assim ficaria legal).
- Devia ter emitido o visto antes de vir. , dizem-me do outro lado do balcão.
Sou levado para uma sala onde preencho um questionario em portugues. Extenso e detalhado. (Bem-vindo ao Japão )
Espero e espero. Pelo tempo e pelo sim.
Não.
O senhor da Imigração não me olha nos olhos (Bem-vindo ao Japão). Fala para o tradutor observando as suas proprias mãos. As palavras saem-lhe confiantes, e a cara so expressa trabalho. E implacavel. Frio.
- O problema de teres vindo sem visto nao e meu. O erro foi teu. Nao te posso deixar entrar. Fazes o visto e depois podes entrar.
Não aceita que lhe de explicaçoes pois sabe que não vão mudar nada. Nao me da qualquer hipotese de argumento nem permite a ele proprio qualquer relance de sentimento.
Da-me a escolher: aceitar a decisão ou recorrer ao Ministerio da Justiça (O poder dos governos).
Eu sou um reinvindicador por natureza. Reinvindico de mim proprio e sem saber porque.
Nesta situacao controlo as emoçoes e raciocino com pragmatismo. Sei bem o que significa um Não no Japão.
Sinto-me um criminoso (cometi um crime auto-infligido contra o meu proprio caminho). Tenho escolta pessoal e nao posso sair de uma area restricta do aeroporto. Onde estou? E a primeira vez que saio de um lugar onde nao cheguei a entrar.
A decisão mais barata e deixar o Japão nesse mesmo dia. Para onde? O dinheiro e um problema. Não tenho o suficiente para voltar a Portugal. Nem dinheiro nem vontade. Não e desta forma que quero regressar.
Voo novamente para a proximidade das Ilhas Filipinas. Vou esperar a burocracia.
Subita e forçadamente abandono o trilho por onde seguia. Mas o tiagointokyo continua a existir. E em Toquio que esta a minha casa, a minha roupa, as minhas camaras, os meus projectos. Eu estou la. Fui apenas deportado, transladado de mim temporariamente.
Em Manila, onde escrevo estas linhas, continuo zonzo do episodio. Ainda nao o digeri.
Espero que o tempo turve a memoria e anestesie o sentimento.
Eu nunca fui esbofeteado. Nao acredito na violencia por isso nunca levei um murro na cara. Sinto, embora, que deve doer muito menos do que a maneira como o Japão nos bate. Sem emoçoes e sem musculo. Nem sequer me tocou mas atingiu-me com muito mais violencia.
(PS: Continuarei a escrever regularmente sobre o Japão, infelizmente, sem a forca complementar das fotografias. Mas uma vantagem: estar distanciado)
10 Comments:
bolas.... deve ser mesmo muito duro...! Força, e não desanimes...
tenta aproveitar o facto de estares noutro sítio para descomprimires...
Muita força Tiago!
Esperamos que o estado migratório se resolva rapidamente.
Devemos estar num único lugar, e não divididos entre as ilhas filipinas e as ilhas japonesas.
Beijos e abraços
ana e rui
Meu filho
Um destino exótico tem cada "surpresa"!!!
Beijo grande
Mãe
Tanta burocracia, tão pouca liberdade.
A situação que estás a viver parece tirada de um filme :(
Que tudo se resolva. Que o próximo post seja "made in japan".
Namaste*
hi,tiago,
I just read about your blog google translation to english.
hope you're fine.
when are you coming home?
Se cumprires não ficas à porta. Ainda te apetece cumprir?
Olá Tiago!
Espero que já tenhas esta situação "normalizada" e que te encontres bem.
Em breve vou para Timor. Se precisares de "asilo" estarei por perto.
Um abraço e força
Será possível tirar algum proveito dessa situação? Espero que descubra algo positivo que o anime.
heehhehehheheh tinha k me rir!
Tinha q me rir contigo lol
assim é k é, o mundo é nosso, a questão dos "papeis" é efemera para quem como nós consegue viajar sem sair do chao...
Grd abraço
Pinhoco
Olá Tiago
Como gostaria de conhecer o Japão e, principalmente Tóquio... Admiro muito a cultura deles... Espero que volte o mais breve possível para escrever mais sobre suas experiências no Japão.
Abraços!!!
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