quinta-feira, julho 12, 2007

O perfil do forasteiro

Cada vez mais japonesas casam com ocidentais. Em Tóquio, onde se concentra a maioria imigrada, é usual ver-se os novos casais a passear com o logótipo da diferença estampado no entrelaçar dos dedos.
Mas é essa diferença que torna o estrangeiro um raio de liberdade para as senhoras japonesas. Ao contrário de muitos maridos japoneses, os ocidentais não as tomam por meras empregadas e por natureza querem que as esposas avancem na carreira. Por outro lado, os ocidentais escolhem as japonesas porque, além de poder dar jeito em termos do visto, há também o importante factor do marido-ser-mais-do-que-VIP. E a beleza exótica, para o leitor desatento.

O futuro pertence aos mistos. Será um eterno cruzamento de raças até à extinção.

Há cerca de dois milhões de estrangeiros registados, um recorde que deverá continuar a ser batido de ano para ano. O Japão conquista os estrangeiros e também sua a vontade de ser estrangeiro. Criado para variar entre o cinzento claro e o cinzento-escuro, o arquipélago recebe agora cores de todas as tonalidades, que, não tendo escolha, têm de aprender a diluir-se no espectro cinza.

As portas estão abertas para professores de inglês. Qualquer cidadão do mundo que queira viver no Japão e domine a língua inglesa, só necessita de duas liberdades: a da decisão e a de comprar o bilhete de avião.

Nas fábricas ocupam-se os brasileiros. Daí que hajam Brasiltowns com restaurantes como a “Cantina Quero Mais” ou a opção português nos Multibanco. (Português brasileiro, porque para “sacar dinheiro” em Portugal não é preciso ir ao Multibanco)

O contingente chinês que oferece massaji massaji concorre com os africanos vestidos de impertinência que convidam os gravatas a ver as jovens louras no espectáculo do despir. As empregadas filipinas tratam dos filhos dos embaixadores e dos engraxadores dos embaixadores. Já os soldados americanos não são para aqui chamados.
É acessível para um ocidental conviver no Japão carregado em conversas por outros compatriotas. Mas estas pessoas nem se dão conta de que não vivem no Japão, de que nunca deixaram o Ocidente.
Para outros, de que sou exemplo, que mergulham de cabeça na cultura sem saber sequer se tem água, a relação com o Japão é como a maré. Às vezes a bandeira está verde, é o lugar perfeito, tudo limpinho e muito respeito. Mas a maré conturba-se: a diferença com que nos tratam, ao não permitir a entrada no restaurante, os esgares de revolta; a indiferença com que nos emocionam, ao permitir a longinquidade das relações, os ares de solidão.
Há muito que deixei o ocidente, mas o ocidente nunca me deixará. Faz parte de mim, sou ocidente. Mas quantos ocidentais sofrem por quererem a todo o custo ser oriente. O louro europeu de dois metros, tamanco vestido de kimono, que se orgulha de ser um ás com os pauzinhos mas não diz arigato porque do sotaque flúi um eirigueito, domina todos os saqués, faz muitas vénias e pede sempre desculpas. Pobre tamanco, a costurar o objectivo de ser considerado igual aos japoneses... Nunca o será, por mais vénias que faça e por muito bem que fale japonês.
O melhor é rir.
É o que eu faço de cada vez que os japoneses fazem ou dizem algo que me desperta a condição de forasteiro. E no final de cada riso, apercebo-me de que, no fundo, estou a rir de mim próprio.

7 Comments:

Blogger Tiago Ramos disse...

A ideia que tenho do Japão é a de um país muito próprio, com a sua cultura única, indiferente ao ocidente. Achei muito interessante ler a tua opinião acerca do assunto, já que vives aí e sentes diariamente o que falas.
Também sentia vontade de experimentar esse mundo. Um dia, quem sabe.

12/7/07 10:13 da tarde  
Blogger JustAnother disse...

Gosto muito destas pinceladas, para mim sao a melhor parte do Blog.

12/7/07 11:09 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Gostei muito deste post e do anterior. Definitivamente lembrou muito Wenceslau de Moraes,o Kê-tojin.
A sua maneira de observar e sentir a cultura japonesa vai muito de encontro às minhas "telas" em branco à espera de serem preenchidas.
Obrigado.

13/7/07 7:15 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Mas Thiago, vc nao esta se orientando nao???
Nem um pouquinho??? Certeza???

14/7/07 12:22 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Então e os Japoneses, não casam com raparigas ocidentais?

6/11/07 5:53 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Nao, nao casam. lol
Uma das razoes, é que a maioria dos gaijin no japao são homens, pelo menos os ocidentais/brancos (i.e, não-africanos nem sul-americanos)

10/11/07 6:24 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Hi
Gostei imenso do texto e acredito que conheces bem da realidade Japonesa, acho que para completar deverias falar dos africanos no Japão, seus comportamentos e como os Japoneses os vêm.

14/1/08 5:17 da manhã  

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