sábado, maio 12, 2007

Tic-Tac-Tokyo


Peço muitas desculpas aos amantes do Japão mas neste texto vou apalpar Filosofia antes de me referir à extravagância dos primeiros raios de Sol. Pôr-me a observar atento aquilo que não entendo à minha volta é uma das consequências psíquicas de habitar este país. Iniciar uma conversa pedindo muitas desculpas também.

Desde que cheguei que a duração dos fenómenos se alterou, ou, no mínimo, a percepção que tenho dela.
Mas não é preciso viver no Japão para que o tempo que demora esperar na fila do multibanco e o tempo que foge num beijo à pessoa que nos estremece seja discrepante desse estranho compasso que é a passagem de um segundo para o outro. O relógio inventado diz que foram 2 minutos e 47 segundos. Mas para o que se sente não foi e nem pode ser medido em unidades.


Foram os sumérios que na actual praia petroamericana inventaram o sistema sexagesimal: de facto 60 segundos mudam-nos a vida. Porque a matemática diz que 60 é o mais pequeno número divisível pelos números de um a seis.
Mas os sumérios ignoravam o conceito de zero. Deviam ter tudo, até tempo para tudo. E porque os sumérios não tinham zero o tempo não pára.
Mas e quantas vezes pára na minha cabeça? Não há relógio que conte quanto tempo passou se nada se passou na suspensão do momento. O tempo não flúi por aí, acontece diferenciadamente em cada mente (não ligue ao devaneio caro leitor, que estou apenas a apalpar a FiloSofia).

O tempo, ajustado à incógnita do Sistema Solar, foi inventado para facilitar a realização da humanidade. Mas complica bastante. Especialmente nas culturas latinas em que as 20h para uns é 20h30 e para outros 21h15. No Japão mais do que em outro lugar, “time is money” e tal como o dinheiro que é tratado em manjedoura, o tempo também: 20h significa 19h55, e à hora marcada, todos estão no mesmo compasso de existência.

Brincando aos sumérios em Tóquio, sei que demoro exactamente 13 minutos de Iidabashi até Shinjuku, e que no dia 2 de Junho vou encontrar-me com amigos japoneses às 17h55 em frente ao Studio Alta. Combinámos às 18h, com quase um mês de antecedência, porque não há tempo a perder. Sobretudo na maior área metropolitana do mundo, onde milhões de relógios se intersectam. E se respeitam uns aos outros.
No arquipélago japonês até o ritmo do tic tac é distinto. É quase axiomático que se atravesse a passadeira a correr para garantir o semáforo verde em pleno Domingo. Nem há tempo a perder depois de esgotado o dia com o nó da gravata: são 22h30 de Segunda ou Terça-feira, mas há tempo para diluir o álcool até ao último comboio de ligação a casa.
Na capital passa tudo célere… As coisas duram uma estrela cadente. Mas o que passou ainda há pouco, logo parece que foi há muito.
As pessoas passam e o passado esgota-se apressado. Talvez porque o tempo é demasiado precioso para se perder no presente ou desperdiçar no futuro.
Mesmo no segundo inventado é possível recriar nele algo para fazer que não se havia feito no segundo anterior, e certamente que o tempo se alongará.
Ler o Rashomon ou visitar Okinawa, por exemplo.

3 Comments:

Blogger catiazzz disse...

Folgo em saber que o Icep às vezes engana-se... e escolhe pessoas brilhantes para o INOV Contacto.
:)
Vou ser mais uma leitora assídua, Tiago.

Um abraço cheio de Contacto de uma C9 em Madrid para um C9 em Tokyo

(agora, se me permites, tenho muito para ler, porque acabei de aterrar no teu blog) ;)

13/5/07 3:10 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

a cada leitura que faço, se espanta um sorriso na minha face... como os ocidentais são realmente diferentes dos orientais, e como tu consegues transmitir essa mensagem por simples palavras e pensamentos.

14/5/07 5:23 da manhã  
Blogger Yin Zhen disse...

Olá Tiago,

Faz hoje 3 dias em que conheci a tua mãe num jantar, durante o qual ela me falou de ti, escreveu-me o endereço deste blog, e desde então tenho absorvido o máximo possível dele. É para mim um sonho … qualquer coisa em Tóquio, e desde há muito que navego por Tóquio de forma flutuante através dos outros. Tu tens sido o meu transporte mais recente, e um dos que mais me fascinou. Não só por Tóquio em si, mas por perceber que a experiência da deslocação, da alienigeneidade de que fazes parte te faz pensar e reflectir na forma concreta, por vezes também imaterial, das coisas. (coisas…)

Agora, em jeito de desculpas à boa maneira nipónica, para justificar o espaço que determinado comentário (este) ocupa em determinado post (Tic-Tac-Tokyo), aconselho-te a ler Virilio, talvez já o conheças, (the overexposed city – é um ensaio que não será mau para começar) e isto por causa da percepção que dizes ter do tempo, mas transposto em termos de definição de espaço. Também em matéria de percepção há tanto para dizer, Alain Berthoz um bom analista de como o movimento é percepcionado, e talvez para quem está longe (eu também já estive) não fosse mau passar os olhos pelo já clássico Tristes Trópicos, de C. Lévy-Strauss, do qual deixo este excerto:

“Dei conta, mais tarde, de como esses breves relances de uma cidade, de uma região ou de uma cultura exercitam a atenção de forma útil e até permitem, por vezes – em virtude da concentração intensa exigida pela brevidade do momento que se atravessa –, apreender certas propriedades que em outras circunstâncias, poderiam ter permanecido ocultas durante muito tempo.”

Deixo-te em Tóquio…

27/5/07 8:13 da tarde  

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