sexta-feira, março 21, 2008

FIM - Owari!

Hai Shimarimasu!
No Japão aprendi que enquanto não se sabe como fazer muito bem, não se faz. Porventura isto não servirá como uma desculpa para justificar o hiato deste blog: também aprendi que as desculpas, sinceras ou não, não servem para nada.
Hilariante: termina o hiato, e termina o blog. “Hai Shimarimasu!” é o aviso docilmente eficaz que as portas do metro vão fechar. As portas deste blogue fechar-se-ão com este texto, a carruagem continuará em movimento.

Não há nada que a cultura japonesa não tenha feito escrever. À parte a descrição das vivências gastronómicas em izakayas, madrugadas em Love Hotels, perfil psicológico de personagens, aulas de Japonês, narrativas urbanas, ou pequenas expedições solitárias, tenho consciência que neste espaço já disse sobre o Japão tudo o que tenho a oferecer à interpretação.

Mantenho-me numa liberdade condicional, preso fora do Japão. O fantasma do Tiagosan continua em Tóquio preso fora de mim. Quero voltar, quero escrever o epílogo que me negaram. Quero voltar, mas não quero ficar. Ainda não abandonei a virtude de abandonar.

Um casamento a pedido da conveniência, uma bolsa de aperfeiçoamento artístico, ou um acto de oxigenação de consciência por parte de um empregador, fazem de mim um molde de um carimbo burocrático. Em Julho haverá novidades. Até lá ronha o tempo como uma lesma. Se a novidade for um pesadelo, não será pesadelo. Apesar de quando lá estamos parecer, o mundo não é o Japão.


Lições de um choque cultural
1. Todos os dias aprendemos com todos. É sempre possível melhorar, porque a perfeição existe: perfeição é tentar atingir o seu lugar inatingível. Exigir dos outros o mesmo que exigimos de nós.

2. Pensar antes de fazer. A espontaneidade é a forma de aprender com os erros.
Ser-se preciso, até no vai-não-vai.

3. Não somos escravos das emoções, é o vice-versa. A disciplina de controlar o descontrolo. Paciência é saber aproveitar os instantes impacientes. Para um dia se ser, é-se hoje.

4. “Sou do tamanho do que vejo”. Necessário é esticar a percepção e abafar preconceitos. Abrir, ler, observar, mudar, apagar.

5. A diferença entre as pessoas serem ilhas ou serem gotas. Ocidentais escolhem o oriente como orientais escolhem o ocidente. Os rebeldes não se acomodam. Os rebeldes japoneses não se acomodam: saem, ou do país ou da vida.

6. Tagarelar quebra a respiração. Não respiramos, não existimos. Basta de achar que sabemos. Não sabemos, ouvimos! O objectivo é perceber que nunca saberemos.

7. A fachada racional de encobrir a ferrugem dos alicerces emocionais ou o desabafo desanuviante de entornar a gramática, ambos sofrem. A reverência da obediência ou a irreverência da desobediência, ambos sofrem.

8. A saudade, métrica do coração português, é suicida: mata-se a si própria. É uma ilusão passageira. É a psicose brumosa de que algo falta para vir. Até se ver que não vem.

9. O relativismo é protagonista no teatro da existência. As coisas não são, os sabores não são, os valores não são, a moral não é. Nada é, tudo nos parece.

10. Somos onde estamos. É nossa essência a adaptação.
O erro de achar que a felicidade está do outro lado: o lado onde estamos é sempre o nosso lado.

11. O Japão alumiou o acidente que sou. Arigatou Nippon.


O Efeito
Foi no Japão que vi o sol nascer. Consegui a independência económica, a única que ainda há para a ver. Transformei-me num samuraizinho tenrinho como sashimi, tornei-me o gajo que viveu dois anos no Japão, entranhei-me na overdose de japonesismo.

Num bonsai vê-se o Japão: o bonsai é uma planta que não lhe permitem ser árvore; não cresce; deforma até que se conforma; suporta viver a gotas de humanidade; é uma harmonia sádica de encanto.
Não fui educado como um bonsai. Cresci silvestre, no meio dos mal-me-queres do meu país. Mas agora o bonsai não sai de mim. Perde-se a voz, esteriliza-se as emoções.

O Japão é um mergulho.

Exercício de salve-se quem puder psicológico, vive-se uma compressão humana incompreensível, percorremos em casulos parados no trânsito uma neblina de identidades, que resiste a questionar; os corpos não tocam, os sentimentos não chocam, o olhar evade-se para evitar que se perceba que mente. É um haraquiri mental constante, vivido na efemeridade da transição, preenchido de solidão.
Estranho os porquês de necessitar regressar. Persegue-me o antes e depois. Tudo mudou. Sinto o Efeito Nipónico.

FIM (Owari!)