sexta-feira, junho 29, 2007

Teorias sobre o Japão em Pinturas Mentais

Há quem diga que vivo de imagens; mas ninguém pode dizer que eu não vivo no Japão e por não haver país menos conceptual, usarei a pintura para o apresentar.

Vulcões Salaryman, aguarela
Viajo no metropolitano de Tóquio, olho em volta e, qual desvario kafkiano, os salaryman que se deslocam impávidos na rotina transformam-se de súbito em pequenos vulcões.
Desta fusão geo-humana surge um ser que controla os próprios instintos animais. Os japoneses fervilham como vulcões, mas têm o poder de manter o magma dentro deles até arrefecer. Vejo em cada salaryman um vulcão que embora não esteja extinto, não entra em erupção.

As tigelinhas de arroz, pintura a óleo
Foi também na ferro-via que se me coloriu repentinamente e sem explicação a seguinte tela de sinapses: cabe às japonesas a mesma descrição que se pode fazer à tigela de arroz branco (tão importante no quotidiano culinário). Ora, não se fica esfomeado nem muito cheio, satisfaz o suficiente; o arroz é saudável e sempre com bom aspecto, a tigela elegante e bonita; o sabor é sempre igual e difícil de distinguir, mas daí que não enjoe e seja apetecível a todas as refeições.

Biru kudasai, serigrafia
O álcool é o elixir da verdade, ninguém desconfia de um embriagado.
O povo japonês não pretende ser malicioso mesmo quando mente, o que pretende é ser simpático. E é com a potência alcoólica que o sol finalmente nasce para os japoneses poderem relaxar da formalidade da simpatia. (E os vulcões soltam a lava suavemente.)

Giro ou assustador?, acrílico
Este é um quadro de arte naíf: os japoneses simplificam a variação das suas reacções àquilo que acham muito giro e àquilo que lhes mete medo. Variam portanto entre o Kawaii! (giro) e o Kowai! (assustador). Do “a” ao “o” a diferença é mínima mas o resultado da sua utilização semântica é completamente oposto.

Estas imagens foram pintadas por mim, mas teorias há de outros olhares interessados, que fui escutando desde que meus tímpanos filtram sagazes o assunto Japão.

Peixes na água, aerografia
Donald Richie já reside em Tóquio e escreve sobre o Japão ao tempo que perfaz o dobro da minha idade. Numa entrevista-aerografia que folheei há uns meses, Richie diz que “perguntar a japoneses sobre o Japão é o mesmo que perguntar a peixes sobre a água”. Não se apercebem onde nadam nem porque o fazem, mas sabem nadar.

A caixa de comida, guache
Um neozelandês com quem conversei uma vez, deu-me a observar o seu quadro pop-art: “podemos perceber o Japão se olharmos para a caixa de comida obento, tudo está separado, ingrediente por ingrediente, nada se mistura”.

(Inspirado pela sua pintura, logo criei uma imagem sob essa influência, mas muito minimalista.
A bandeira, guache.
A bandeira do Japão, duas cores, simplicidade. O vermelho é o Sol, um círculo perfeito sobre a pureza branca.
Ali é vermelho, aqui é branco. Aqui é assim, ali não. Japão.)

Sem título, carvão
Para finalizar, uma pintura a carvão que ilustra genialmente este país, que me foi descrita por um compatriota, que havia escutado de outro compatriota.
Esta pintura é uma obra-prima, a preservar no Museu das Teorias Sobre o Japão em Pinturas Mentais. “Os japoneses são cem milhões de bonsais.” Recortados desde os rebentos, crescem deformados de personalidade, feitos para serem miniatura: o provérbio “Deru kugi wa utareru” completa esta imagem, “o prego que sobressai logo será amassado”.

(Decidi não colocar fotografias a acompanhar este texto e a razão é tão simples como a bandeira do Japão: o que se tratou neste texto foi de pinturas mentais)

quinta-feira, junho 28, 2007

Provérbio japonês

Três mulheres juntas, barulho.



Nota: na imagem seguinte estão escritas, em idioma japonês, as palavras "mulher" (primeira linha) e "barulho" (segunda linha). Ora, o primeiro caracter da palavra barulho, é formado por três mulheres juntas.





quarta-feira, junho 13, 2007

Desempregado e feliz

Estive alguns meses empregado numa empresa japonesa à séria, uma experiência enriquecedora em todos os sentidos. Até para avolumar a minha alergia ao sistema da corporação, ao mundo do em prego, ao estatuto de objecto de levar marteladas.

Agora estou desempregado cinco dias por semana na galeria do Design Festa. O meu Sábado virou Quarta-feira e o sétimo dia é à Quinta. Realizo uma daquelas fantasias de cada um, faço o que gosto e ainda me dão de comer. Nesta empresa só usa gravatas quem quiser, não pela formalidade do trabalho mas para ajustar o rigor de vestimentas extravagantes. (A gravata não trabalha por ninguém, nunca deixará de ser um pedaço de tecido.)

Usuki-san é uma chefe dos anos 70: fã incondicional de Rolling Stones, não perde um único concerto de Iggy Pop no Japão. É ela a fundadora deste espaço onde qualquer pessoa pode expressar a sua originalidade e qualquer originalidade, já que como dizia o único génio que existiu no meu país, “Viver não é necessário. Necessário é criar.” Usuki-san acreditou em mim e dá-me a liberdade para essa necessidade, daí que eu me sinta desempregado, pois não há um dia que eu acorde sem vontade de ir trabalhar.

Também para as autoridades do Japão eu estou no desemprego. É o que revela a burocracia da minha condição de visitante temporário, que expira ao fim de cada três meses e não permite auferir ordenados. É irónico ou talvez não: para andar feliz preciso de estar à margem da lei.

Em breve esgotar-se-ão os três meses, mas basta-me uma maratona de poucas horas na cidade que coroou Rosa Mota para regressar à temporalidade feliz do desemprego.

(Não significa este texto que quem o escreve domine esse tema oculto que é a felicidade. Apenas anda entretido a fazer o que gosta de fazer. A felicidade pode não andar muito longe disso.)

quarta-feira, junho 06, 2007

Hoje fiz um amigo

Cumpria um recado da chefe, fazer promoção da empresa. Na Associação de Design do Japão, fui atendido pelo Wakamaru, um menino vestido à maneira: com a camisola amarela da prova de futurismo.
Olhava-me nos olhos, abanando a cabeça, como que dizendo: "Tu és diferente". Eu li-lhe os pensamentos e comentei sozinho: "Gosto de ti por seres diferente".

Depois de o chamar pelo nome, o Wakamaru veio ligeiro colocar-se à minha frente e num japonês que, como sempre, deduzi do contexto, convidou-me a fazer alongamentos com ele. Recusei, não por antipatia ou timidez, simplesmente porque o Verão já avisou que está a chegar e a humidade é suficiente para aquecer o corpo.

Mas o Wakamaru lá fez os seus alongamentos. Espero que bem, não vá o meu novo amigo ter um estiramento muscular.