quarta-feira, maio 30, 2007

Imagens narrativas VII - Estacionar

A necessitade de espaço e o engenho de criar espaço. Mais palavras para quê...

sexta-feira, maio 25, 2007

Nas ruas de Kagurazaka

Em Kagurazaka viaja-se ao velho Japão em pleno coração de Tóquio. Este bairro é uma colina, mas se Tóquio tivesse baixa, seria aqui. O declive é a imagem de marca que faz deste local um ícone da capital.

Kagurazaka, a ladeira-do-deus-da-diversão, está repleta de ruínhas pedonais paradas no tempo. As casas tradicionais que circundam os quelhos são tratadas como bonsais, por onde deambulam em gordas boémias gatos sempre desconfiados.

Mantém a atmosfera tradicional, apesar das invasões francesas. Os expatriados francófonos escolheram este lugar para viver, presumo que pelo seu síndroma do orgulho. Não escolheram mal não senhor.

Até a banda sonora me reporta ao mundo encantado de Amélie Poulain, mas é na fábula de Kagurazaka que eu vivo acordado. Em miragens avisto guerreiros samurais, de kimono passam gueixas à minha frente... esfrego bem os olhos e apercebo-me que não é uma ilusão: nas tortuosas vielas de Kagurazaka ocultam-se as últimas gueixas da capital.

Viver é o que fazemos do nosso habitar: acordo bem-disposto com os ecos infantis que ultrapassam a janela do meu quartinho; com o circo das traquinices perante os meus olhos, tomo o pequeno-almoço; vou ao supermercado domingueiro, caminho a ladeira cima a baixo; atalho outra vez sob o candeeiro lunar, por entre ruas desertas em paz; de regresso a casa ouço o infalível Okaerinasai! de boas-vindas, que completa a viagem ao passado. A Srª e o Sr. Saito são os meus vizinhos e senhorios. Desconfio que este casal de idosa genica não sai de Kagurazaka há muito tempo. Para quê, habitam na nostalgia...

E eu, como posso sentir saudades de casa? Pois se a minha casa é aqui, na ladeira do deus da diversão.Fotografias, aqui.

quarta-feira, maio 23, 2007

Provérbio japonês

Quando a pobreza bate à porta, o amor sai pela janela.

terça-feira, maio 22, 2007

Dez diferenças entre portugueses e japoneses

Seguirei o génio de Pessoa, recorrendo a “um daqueles artifícios cómodos, pelos quais simplificamos a realidade com o fito de a compreender”. O objectivo é enunciar a diferença entre o povo português e japonês. Do recurso à interpretação de acontecimentos da História e à encenação de episódios, deduzirei oposições que reflictam a disparidade entre os dois povos.
Este é um exercício interminável, que evidentemente, generaliza. Mas de maneira a compreender os pormenores de excepção, que não serão referidos nesta análise, é conveniente ter uma ideia do todo. (Só depois de saber o que é o Impressionismo é que se entendem as pinceladas de Van Gogh).

Devo dar relevância à orientação cultural dos dois povos. Os portugueses, por fazerem parte da raça latina, possivelmente reagirão da mesma forma que espanhóis, brasileiros ou italianos nos episódios que narrarei em seguida. No entanto, existem comportamentos de exclusividade lusa que sobressaem aos dos latinos. Será esta proeminência portuguesa a base da contraposição ao povo japonês. Os nipónicos, por outro lado, representam uma colheita ímpar de seres humanos, que actua de forma singular. Apesar do Japão fazer parte do continente Asiático, o arquipélago e o continente seguem diferentes caminhos no estudo da antropologia.

Decidi redigir este texto por duas razões: a saliente, porque ainda não foi feito (se o foi, não tenho conhecimento); a consequente, pelo gozo de o escrever.
Atrevo-me a enfrentar o assunto sabendo que há personalidades mais conhecedoras desta temática, pelos anos de experiência vivida no Japão. Mas como do Japão levei um forte impulso na aprendizagem do que é a determinação e o atrevimento, aqui me atrevo, sem medo.

1. Começaremos então a viagem pela diferença entre lusos e nipónicos. E por iniciarmos a viagem, navegaremos de nau. Os primeiros ocidentais a chegarem ao arquipélago do Japão foram os portugueses. Nessa sua ânsia de descobrir, ou de expandir a fé ou o império, ou até de fugir, os portugueses ancoraram em todos os cantos do globo que não tem cantos: África do Sul, Índia, Brasil, Austrália.

O Japão, por seu lado, continua a ser o país do Mundo que mais tempo se isolou no seu mundo. Foi exactamente de 212 anos o período de enclausura ordenado pelo Shogunato. Neste período, o povo japonês não abandonou o território, nem isso lho era permitido. O contacto com o exterior resumia-se à presença restrita dos missionários europeus, numas ilhotas a Sul do arquipélago.

Esta é a primeira e mais notável diferença entre portugueses e japoneses: aqueles enfrentaram mares nunca dantes navegados, estes fecharam as suas portas.

A época do berço da globalização reflecte-se na cultura contemporânea de ambas as nações. Os portugueses seguem a sombra de Vasco da Gama em aventuras inusitadas pelo Mundo fora, nas quais se valem com mestria da sua ciência do desenrascanço.
Ao invés, os japoneses, que continuam isolados por milhões de gotas salgadas, viajam frequentemente em excursão, seguindo o guia, atentos ao esclarecimento histórico do Coliseu de Roma e da Torre Eiffel. As cidades onde se erguem estes monumentos são normalmente as primeiras a serem visitadas pelos turistas japoneses e para muitos dos poucos que já visitaram o exterior, o único conhecimento que têm de fora do seu país.

2. Logo no primeiro contacto com ocidentais os japoneses evidenciaram as suas hábeis capacidades de observação. Iniciaram com os portugueses a construção da fama que têm em copiar o que os outros fazem. Mais, em melhorá-lo para seu proveito.
Foi o que fizeram quando Fernão Mendes Pinto lhes apresentou a primeira arma de fogo que alguma vez haviam visto. A espingarda foi de pronto replicada em grandes quantidades, como é relatado na obra “Peregrinação”: “O fervor deste apetite e curiosidade foi dali por diante que já quando nos dali partimos, que foi dali a cinco meses e meio, havia na terra passante de seiscentas espingardas.” Além de copiar a ferramenta que sentenciou o fim dos samurais, os japoneses aproveitaram para adaptar à sua culinária a novidade introduzida pelos portugueses de fritar peixe e vegetais, que é nos dias de hoje um dos mais conhecidos e apetitosos pratos da sua culinária: tempura.

Ora, que retiraram os portugueses da cultura japonesa? Maioritariamente deslumbre. Fernão Mendes Pinto e São Francisco Xavier foram dos primeiros a narrar as suas experiências de espanto. Mas é Wenceslau de Moraes, séculos mais tarde, que se revela como o exemplo mor da admiração passiva, aquilo a que Fernando Pessoa chama de “provincianismo português”. Wenceslau escreveu e só escreveu, limitando-se a exaltar o Japão, na senda preguiçosa e tão portuguesa de pasmar do que os outros fazem.

3. A metodologia de trabalho, que é o mesmo que dizer a metodologia de viver, revela-se, como veremos, de uma diferença atroz.
Enquanto os japoneses preparam tudo ao detalhe, os portugueses seguem a filosofia laboral do “isso depois vê-se”.
Como é de calcular, em situações não esperadas, os portugueses desenvencilham-se como nenhum outro povo no Mundo. Precisamente por ser o povo que mais cria situações não esperadas. Ou seja, só por fazer do joelho a mesa de trabalho e deixar tudo para o último momento possível, é que têm imprevistos para resolver. E daí serem os mestres das soluções em cima da hora.
Os japoneses não atrasam as tarefas, pensam previamente nos hipotéticos problemas, criam um plano eficaz e seguem-se por esse plano. Ao eliminar a possibilidade de imprevistos, não têm de conjugar o verbo desenvencilhar.

4. Mas é da capacidade de improvisar que os portugueses abrem alas ao talento, ao imprevisto, àquilo a que o outro (e nem o próprio) não está à espera. Como a habilidade de Cristiano Ronaldo, de certo aperfeiçoada com treino, mas deixada desprendida para desembaraçar um momento.
Os japoneses, ao ter tudo planificado, não fazem o que não vem no plano. É este limite à irreverência que faz com que muitos comunicadores japoneses contra-cultura abandonem o seu país. São exemplos as artistas Yoko Ono e Yayoi Kusama.
Os japoneses são formados para não contestarem o sistema e se no sistema do menu não existe o produto que pretendem, nem sequer se atrevem em pensar solicitar o artigo. Nos cafés lusos improvisa-se uma bifana no pão, mesmo que não surja na lista.

5. Vejamos de seguida como os povos em estudo cuidam de dois conceitos que, inventados pelos humanos, são cada vez mais fundamentais na era da tecnologia: o tempo e o dinheiro.

Para relatar a divergência do tratamento do relógio, recorrerei a uma simples encenação: um jantar está marcado para as 20h por amigos japoneses, e outro, à mesma hora, por amigos portugueses.
Os participantes do jantar nipónico estão no local combinado às 19h55. Em caso de atraso, por dez minutos que sejam, de pronto os amigos japoneses enviam SMS de aviso pedindo muitas desculpas pelo ultraje de instantes perdidos. Nessa ocasião, quem chegou com dez minutos de atraso notificados, desculpa-se novamente envolvido em vergonha.

No jantar entre portugueses, o primeiro participante chega às 21h. E vai ter de esperar pelos outros. Às 21h30 começam a chegar aos pingos os restantes amigos. O que chegara uma hora depois do combinado, comenta: “Então isto são horas de chegar?”. Logo é refutado por uma voz esfomeada: “Oh, então se o jantar estava marcado para as 20h nunca cá está toda a gente antes das 22h”. De facto, este argumento revela um conhecimento da cultura portuguesa de grande pragmatismo. O amigo que chegou uma hora atrasado é que é o tolo.

E porque o tempo é dinheiro…

O motor que nos obriga a pagar para viver, é tratado no Japão, tal como o tempo, com muito cuidado e amparo. Nos estabelecimentos comerciais há um pequeno recipiente que serve de pombo-correio entre o cliente e o vendedor. No Japão é deselegante mostrar dinheiro em público ou desfrutar orgulhoso de ostentação.
Os portugueses, pelo contrário, tudo fazem para mostrar a pompa. Aliás, mesmo com menos poder de compra que os japoneses, conjecturo em qual dos países será superior o número de carros topo de gama por família. É importante para muitos portuguesinhos ter o melhor carro entre os vizinhos.

Ainda no cerne do cifrão, criemos outro episódio simples: num bar, é solicitada uma cerveja.
Estamos no Japão, a bebida custa 200 ienes e o cliente só tem 199. O vendedor não pode negociar o seu produto pois é-lhe tão claro como 1+1 ser 2: a cerveja está à venda por 200, e não 199. Logo, falta um iene.
No bar português, a cerveja custa dois euros. O cliente tem dois euros e trinta cêntimos, mas esconde uma moeda de cinquenta cêntimos no bolso. A ver se pega. “Só tem 1.80?”, diz o dono do bar. “Não faz mal, fica assim, paga para a próxima.”

6. Se o caro leitor chegou até estas linhas é porque o seu interesse demonstrou paciência. Comporta-se portanto como um japonês.
A expressão japonesa “gaman suru” significa suportar, ter a capacidade de sofrer, e sobretudo, de sofrer sozinho. A paciência nipónica até pode esgotar-se no interior, mas não salta pra fora.
Os japoneses esperam pacientes na fila para o restaurante. Sabem que vão ter a recompensa de estar no restaurante que está na moda. Os portugueses vão ao restaurante do lado pois a impaciência não os permite suportar o fastio de esperar. Pelo caminho bufam e vociferam, desabafam o seu balão de inquietação.

7. Encontramo-nos agora num elevador.
Na viagem até ao 12º andar estão duas pessoas que não se conhecem. Os portugueses sentem o momento como um incómodo período de silêncio e quebram o clima falando precisamente sobre o clima. “Está frio hoje mas parece que amanhã a temperatura vai subir.”
No elevador do oriente, os japoneses gozam o silêncio e respeitam os respectivos espaços de sossego. Não têm nada para dizer um ao outro, por isso não inventam conversas em que nada de novo se acrescenta.

Os portugueses verbalizam sempre que podem, mesmo sobre aquilo que não dominam (algo que se tornou famigerado na expressão “mandar bitaites”).
Pelo contrário, os japoneses, quando não sabem de um assunto, não falam. E sabem repousar no astuto lugar do silêncio.

8. Continuemos a seguir as pessoas que iam no elevador. São homens de negócios que vão para uma importante reunião de trabalho. Os senhores doutores portugueses estão atrasados. Suzuki-san e Sakamoto-san apresentam-se cordialmente antes da hora estipulada.

Na reunião japonesa todos os nomes serão sucedidos de “san”, o instrumento de comunicação no idioma japonês que significa respeito. O sufixo é usado também com as profissões (pescador-san, médico-san). Assim, qualquer pessoa é tratada por san, independente do currículo académico ou estatuto social.

Em Portugal o instrumento de comunicação está antes do nome e muitas vezes substitui o próprio nome. O título de Senhor Doutor, Doutor ou abreviadamente, Sôtor, é também independente do currículo académico ou estatuto social. Qualquer pessoa é Doutor. Até o médico é Doutor.

9. No penúltimo ponto desta exposição referir-me-ei a um fenómeno congénito à humanidade e pelo qual presente ao longo de toda a sua História: o conflito.
A história de guerra internacional do Japão cessou após a 2ª Grande Guerra, limitando-se presentemente ao actuar doméstico dos senhores de negro, a máfia yakuza. A yakuza é a única organização que conserva a lei marcial da era dos samurais. No dia-a-dia, o povo japonês evita todo e qualquer confronto, recorrendo uma vez mais ao gaman suru: aguenta o seu próprio instinto animal. Pede desculpa, ri-se ligeiramente e abandona o local de iminente discussão.

Se, como foi exemplo atrás, os portugueses abandonam uma fila para um restaurante a bufar e a vociferar, é escusado relatar como reagem em locais de possíveis conflitos.

Por isso, para concluir, servir-me-ei de um local não conflituoso para provar a distância entre portugueses e japoneses em relação ao conflito. O cenário é um meio de transporte, o comboio. Alguém observa curioso os representantes dos nativos em estudo. O olhar incómodo provoca reacções: os portugueses exclamam: “Opá tás a olhar pra onde pá?”; os japoneses fecham os olhos e descansam.

10. Como curiosidade, e porque este é o décimo e último termo de comparação, convido o leitor a verificar como é que os povos que acabam de ser caricaturados usam os dedos para contar até dez.

Os portugueses contam até dez começando no indicador da mão direita e acabando no polegar da mão esquerda. Usam duas mãos para contar até dez.

Os japoneses usam uma mão para contar até dez. Iniciam a contagem com a mão aberta, e começando no polegar até ao mindinho fecham a mão e contam cinco; o mindinho volta a abrir a mão até ao polegar e chegam ao fim da contagem até dez. E eu cheguei ao fim da demonstração da diferença entre portugueses e japoneses.

sábado, maio 19, 2007

Dicionário de japonês V - Portuguesismos

beranda - varanda
tabako - tabaco
pan - pão
botan - botão
kappa - capa
shabon - sabão
koppu - copo

terça-feira, maio 15, 2007

Mitos portugueses IV - Tóquio? Caríssimo!

A estatística não teve dúvidas em dizer-me que Tóquio é a cidade onde se mais pode pagar para viver. Mas isto não significa que seja a cidade onde menos se pode poupar para sobreviver. Porque é muito fácil – e humano – escorregar no buraco da hipérbole, proponho-me a esclarecer este deslize.

Comunicando para crianças (afinal os únicos seres humanos não convertidos em multibancos): Tóquio é a cidade do Mundo onde se atingem os máximos valores possíveis para comprar qualidade, unicidade, prestígio; todavia, do grupo das cidades mais caras do Mundo, Tóquio tem os valores mínimos mais baixos.
Em Paris ou Londres não se anda de Metro por menos de um euro, não se aluga uma casa no centro por 350 euros, nem se tem uma refeição completa de saúde por três euros a qualquer hora. Jantar fora de casa na cidade mais cara do Mundo pode sair mais barato e saudável que no país dos bitoques e panados no pão.
Existem as lojas de 100 ienes, os chocolates a 97 e a cerveja a 200. Os preços do quilo de frutas e legumes é que já são outra fruta.

Para esbanjar uma fortuna rapidamente, Tóquio! Em muitos restaurantes o salário mínimo de Portugal não chega para o almoço. A distracção, característica inerente ao turista, transporta-o no capricho de quatro letras. Mas se esbanjar já é um capricho...

No barómetro do cifrão, a segurança da qualidade é como jogar na lotaria sabendo que se vai ganhar. Mas não é aconselhável visitar Tóquio em caso de triunfo na lotaria. É possível que a conta bancária se deslumbre. Incomparavelmente Tóquio oferece mais e melhor.

sábado, maio 12, 2007

Tic-Tac-Tokyo


Peço muitas desculpas aos amantes do Japão mas neste texto vou apalpar Filosofia antes de me referir à extravagância dos primeiros raios de Sol. Pôr-me a observar atento aquilo que não entendo à minha volta é uma das consequências psíquicas de habitar este país. Iniciar uma conversa pedindo muitas desculpas também.

Desde que cheguei que a duração dos fenómenos se alterou, ou, no mínimo, a percepção que tenho dela.
Mas não é preciso viver no Japão para que o tempo que demora esperar na fila do multibanco e o tempo que foge num beijo à pessoa que nos estremece seja discrepante desse estranho compasso que é a passagem de um segundo para o outro. O relógio inventado diz que foram 2 minutos e 47 segundos. Mas para o que se sente não foi e nem pode ser medido em unidades.


Foram os sumérios que na actual praia petroamericana inventaram o sistema sexagesimal: de facto 60 segundos mudam-nos a vida. Porque a matemática diz que 60 é o mais pequeno número divisível pelos números de um a seis.
Mas os sumérios ignoravam o conceito de zero. Deviam ter tudo, até tempo para tudo. E porque os sumérios não tinham zero o tempo não pára.
Mas e quantas vezes pára na minha cabeça? Não há relógio que conte quanto tempo passou se nada se passou na suspensão do momento. O tempo não flúi por aí, acontece diferenciadamente em cada mente (não ligue ao devaneio caro leitor, que estou apenas a apalpar a FiloSofia).

O tempo, ajustado à incógnita do Sistema Solar, foi inventado para facilitar a realização da humanidade. Mas complica bastante. Especialmente nas culturas latinas em que as 20h para uns é 20h30 e para outros 21h15. No Japão mais do que em outro lugar, “time is money” e tal como o dinheiro que é tratado em manjedoura, o tempo também: 20h significa 19h55, e à hora marcada, todos estão no mesmo compasso de existência.

Brincando aos sumérios em Tóquio, sei que demoro exactamente 13 minutos de Iidabashi até Shinjuku, e que no dia 2 de Junho vou encontrar-me com amigos japoneses às 17h55 em frente ao Studio Alta. Combinámos às 18h, com quase um mês de antecedência, porque não há tempo a perder. Sobretudo na maior área metropolitana do mundo, onde milhões de relógios se intersectam. E se respeitam uns aos outros.
No arquipélago japonês até o ritmo do tic tac é distinto. É quase axiomático que se atravesse a passadeira a correr para garantir o semáforo verde em pleno Domingo. Nem há tempo a perder depois de esgotado o dia com o nó da gravata: são 22h30 de Segunda ou Terça-feira, mas há tempo para diluir o álcool até ao último comboio de ligação a casa.
Na capital passa tudo célere… As coisas duram uma estrela cadente. Mas o que passou ainda há pouco, logo parece que foi há muito.
As pessoas passam e o passado esgota-se apressado. Talvez porque o tempo é demasiado precioso para se perder no presente ou desperdiçar no futuro.
Mesmo no segundo inventado é possível recriar nele algo para fazer que não se havia feito no segundo anterior, e certamente que o tempo se alongará.
Ler o Rashomon ou visitar Okinawa, por exemplo.

terça-feira, maio 08, 2007

Dicionário de japonês IV - A mania de abreviar

rimokon - remote controller
famiresu - family restaurant
toire - toilet
burapi - Brad Pitt
digicam - digital camera
pokémon - pocket monster
anime - animation
depāto - department store
kopipe - copy paste

segunda-feira, maio 07, 2007

A história dos 47 Ronin: Uma lenda contemporânea

A lenda dos 47 Ronin é um dos mais famosos episódios que sucedeu na História do Japão. A história reflecte o código de honra do guerreiro samurai. E continua actual. No Japão, o instrumento de dedicação e compromisso com os superiores passou das katanas às gravatas. (nota: katana é uma palavra japonesa)

Mas viajemos, no calendário que limita a minha condição ocidental, a 1701…

Era uma vez o daymio Asano Naganori. Os daymio faziam parte da hierarquia mais poderosa dos senhores feudais. Asano tinha sido ordenado pelo shogunato para se preparar para a recepção dos mensageiros do Imperador em Edo, o antigo nome referente a Tóquio.

Asano recebia lições de etiqueta por parte de Kira Yoshinaka, um poderoso oficial na hierarquia liderada pelo shogun Tokugawa. A tensão entre os dois começou a subir quando Asano não ofereceu a Kira presentes que o satisfizessem. Kira não gostou de não ter sido subornado para melhor tratar Asano. De um lado, tínhamos, então, um arrogante rude corrupto, e do outro, um confucionista que por o ser, conhecia o conceito de moral. Kira, sabendo da sua superioridade hierárquica, insultava e humilhava em público Asano, até que um dia, ao chamar-lhe de selvagem camponês, Asano perdeu as nipónicas estribeiras tão difíceis de perder e atacou Kira com uma faca, ferindo-o seriamente na face.

Mas o mais grave neste descontrole não foi a contusão, mas o ataque dentro dos limites da residência do Shogun, onde qualquer tipo de violência era proibida, pelo que Asano foi obrigado a cometer suicídio no mesmo dia, por ofensa para com a autoridade. Asano, sabendo que seria decapitado se não cometesse o sepukku, cortou o próprio estômago. Após a sua morte, as suas terras foram confiscadas, a sua família arruinada e os samurais às suas ordens tornaram-se samurais sem mestre, ronin.
Asano tinha 34 anos. Antes de cometer o suicídio, escreveu, como era tradição, o seu poema da morte: “Talvez ela queira ser lembrada após a morte. A flor da cerejeira cai depressa, mas a memória da Primavera permanece."

47 dos guerreiros de Asano prometeram vingar a morte do seu mestre. Liderados por Oishi, agruparam-se em segredo para jurar a morte de Kira, sabendo, porém, que cumprida a promessa, o seu caminho era a morte. Kira, temendo represálias, fortificou a sua residência. Os 47 Ronin sabiam que para suceder teriam de esperar que este atenuasse a sua vigilância. Dispersaram-se e souberam esperar pelo momento certo. O próprio Oishi, o líder do plano de vingança, mudou-se para Kyoto para desviar atenções, onde passou a frequentar tabernas. Kira continuava amedrontado, e enviou espiões, os ninja, para observar os antigos serventes de Asano. Um certo dia, Oishi adormeceu embriagado de saqué numa rua de Kyoto. Os transeuntes riam-se e um deles, um senhor da província de Satsuma, enfurecido pelo comportamento incorrecto por parte de um samurai, pois Oishi bebia até cair em vez de vingar o seu mestre, insultou-o e pontapeou-o na cara, um insulto atroz para um samurai. Pouco tempo depois, a jovem esposa de Oishi queixou-se da sua conduta. Oishi divorciou-se dela nesse mesmo momento, e ordenou-a que partisse com os dois filhos mais novos, ficando o mais velho à sua guarda. Em consequência, Oishi comprou uma amante.

Os ninja de Kira contaram-lhe tudo, e este ficava cada vez mais convencido que estava a salvo, que os samurais de Asano eram inofensivos e não tinham coragem, e assim baixou a sua guarda. Os outros 46 samurais trabalhavam como mercadores em Edo, tendo acesso à residência de Kira, conhecendo os cantos à casa. Um dos samurais, para obter as plantas da casa, casou com a filha do construtor. Tudo isto era secretamente narrado a Oishi.

Em 1702, quando tudo estava preparado e Kira já não tinha vigília, Oishi abandonou Kyoto, fugindo aos ninja, e juntou-se ao bando num local secreto, onde renovaram a promessa de vingar o seu mestre. Na alvorada de 14 de Dezembro, durante um forte nevão, os 47 Ronin atacaram a residência de Kira Yoshinaka em Edo. Seguindo um plano niponicamente pormenorizado, dividiram-se em dois grupos, armados com katanas e kyudos (arcos). Um grupo, liderado por Ōishi, atacou o portão principal; o outro grupo, liderado pelo seu filho mais velho, invadiu a casa pelas traseiras. Um tambor tocaria como sinal de ataque simultâneo e um apito confirmaria a morte de Kira. Assim que estivesse morto, Kira seria decapitado e a sua cabeça levada para junto ao túmulo do seu mestre. Depois, os 47 Ronin entregar-se-iam esperando a sentença de morte. Oishi pedira que mulheres e crianças fossem poupadas. Enviou mensageiros para informar os vizinhos de que não eram ladrões e que apenas pretendiam assassinar Kira. Os vizinhos, que odiavam Kira, nada fizeram.

Depois de posicionados os arqueiros para evitar qualquer fuga do castelo que desse o alerta, Ōishi soou o tambor e o ataque começou. Dez dos defensores de Kira detiveram os invasores da entrada principal, mas o grupo comandado pelo filho de Oishi entrou pelas traseiras da casa. Kira, aterrorizado, escondeu-se num armário. Depois de vencerem os defensores em frente à casa, os dois grupos juntaram-se e eliminaram a restante oposição. Os que tentaram fugir para pedir ajuda foram mortos pelos arqueiros. Com isto tudo os 47 Ronin tinham já assassinado 16 e ferido 22 guardas de Kira. Mas, onde estava Kira?

Inspeccionaram a casa, mas só encontraram mulheres e crianças. Até que Oishi se apercebeu que a cama de Kira ainda estava quente, portanto não poderia estar longe. Uma nova procura mais exaustiva descortinou uma passagem para um pátio secreto, onde estavam mais dois guardas que foram vencidos e mortos. Finalmente, encontraram um homem, que atacou um dos samurais com uma faca, mas foi facilmente desarmado. Recusou-se a identificar-se mas os samurais presentes achavam que era Kira e soaram o apito. Os 47 Ronin juntaram-se e Oishi confirmou que era, de facto, Kira pois tinha a cicatriz na face resultante do ataque de Asano. Assim, Oishi ajoelhou-se, respeitando o grau hierárquico de Kira, identificou-se como um dos guerreiros de Asano que ali estava para vingar a sua morte, como um verdadeiro samurai deve fazer, e convidou Kira a morrer dignamente, por suicídio, oferecendo-lhe a mesma faca que Asano usara para se matar. Todavia, Kira permanecia calado e a tremer. Oishi deu ordem a um dos Ronin para o decapitar.

O dia nascera, e os ronin carregaram a cabeça de Kira até ao túmulo do seu mestre no templo Sengaku-ji, causando grande alvoroço pelo caminho. A novidade espalhou-se rapidamente e as pessoas saudavam-lhes pelo caminho. Chegados ao templo, os 47 Ronin lavaram a cabeça de Kira e colocaram-na em frente ao túmulo de Asano. Seguidamente, entregaram-se às autoridades. Apesar dos samurais sem dono terem seguido o código de Bushido, haviam desafiado o poder do shogunato. Como esperavam, foram sentenciados com a pena de morte, mas foi-lhes concedida a oportunidade de cometer seppuku, suicídio, em vez de serem executados como criminosos.

No dia 4 de Fevereiro de 1703, os 47 Ronin cometeram suicídio. Foram sepultados no templo de Sengaku-ji, junto a seu mestre, como era a sua vontade. Muitos admiradores da sua coragem peregrinaram até ao túmulo. Uma das pessoas foi o senhor da província de Satsuma, que pontapeara Oishi quando este estava embriagado. Em frente ao jazigo, ele pediu perdão por ter pensado que Oishi não era um verdadeiro samurai. Cometeu suicídio de seguida, tendo sido enterrado ao lado dos 47 Ronin. Algumas das esposas dos bravos samurais, também cometeram suicídio, para se juntar, honrosas, aos seus esposos.
E ninguém desta história viveu feliz para sempre.



Mas como em tudo é possível interpretar de diferentes perspectivas, o autor do “Livro do Samurai”, Yamamoto Tsunemoto, contemporâneo da história dos 47 Ronin, defende que os samurais não agiram segundo o código de honra Bushido. Questiona: que fariam os samurais se Kira falecesse por doença entre o tempo que preparavam a sua morte? Seriam vistos para sempre como cobardes e trariam vergonha ao clã Asano. Para Yamamoto, o que os ronin deveriam ter feito era atacar Kira assim que o seu mestre estivesse morto, sem se preocupar se atingiam o objectivo de o assassinar, mas assim demonstrar extraordinária coragem e determinação no ataque a Kira, e deste modo conseguir o respeito eterno do seu mestre.

Para Yamamoto, a lenda dos 47 Ronin é uma história de vingança e nunca uma história sobre o Bushido. Para mim é uma história sobre a humanidade, e por o ser está manchada de sangue.

Segundo o mesmo autor, no código do Samurai não é a vitoria que interessa, mas sim a dedicação que se demonstra. Este valor moral continua a existir no Japão actual. Nas empresas japonesas, não são os resultados que realmente importam, mas o empenho no trabalho e a deferência para com o chefe. É preferível trabalhar pouco mas estar com o chefe sempre que ele precisar do que trabalhar bem e sair da empresa assim que acabado o trabalho. O mesmo que suicidar o tempo de vida.

Há algumas décadas atrás, em plena 2ª Guerra Mundial, o código do samurai foi invocado como propaganda para incentivar os jovens japoneses, filhos do império, a enfrentar a guerra sem temer a morte. A essência do código samurai era morrer e assim se tornaram kamikazes muitos adolescentes nipónicos, obrigados a entrar num avião com gasolina só de ida de encontro aos navios americanos.
À semelhança do ataque dos 47 Ronin, o ataque kamikaze é um ataque surpresa, de acordo com as tradicionais tácticas de guerra japonesas. Mas uma surpresa repetida deixa de ser surpresa. Na 2ª Grande Guerra, acedendo às ordens dos superiores, como nas entrelinhas da lenda dos 47 Ronin, os jovens japoneses não cometeram suicídio como a História adultera. Foram, sim, mártires da obediência. No Japão uma ordem serve para ser aceite, não discutida. Aliás, samurai significa aquele que serve. E os 47 samurais agora ronin, órfãos da autoridade, serviram a vida ao seu mestre.

Mas tudo lhes correu como planeado. E o país onde o sol nasce continua a traçar tudo ao detalhe para evitar surpresas, continua a ser paciente com os pormenores, e os objectivos são cumpridos como pretendidos.
A situação da mulher é que tem vindo a alterar-se e a hierarquia dos sexos está cada vez mais contígua no Japão contemporâneo. A história do passado acarreta o futuro dos países mas o tempo é evolução, é aperfeiçoamento, e alguns valores têm vindo a alterar-se desde a época dos 47 Ronin. Alguns.

sexta-feira, maio 04, 2007

Sabia que...

É mais confortável e prático para lavar o corpo. Os homens aproveitam e aparam a barba em frente ao espelho.
Os japoneses tomam banho sentados num banquinho.

Apontamento sobre as japonesas

O cotovelo segura a carteira, joelhos contíguos e pés ligeiramente inclinados para dentro, caminham como fantoches da beleza, esbeltas, esguias e sorridentes. Devem ir ao shopping, à manicura ou ao cabeleireiro. Sabem tratar da imagem porque são japonesas.

A menina do Ocidente procura esconder a adolescência imitando a mãe, contudo a ninfa nipónica estende quanto pode a sua meninice, imitando a inocência. Kawaii!

Assumo a generalização de escrever que estas bonequinhas japonesas são o ser mais feminino do planeta Terra (um pequeno apontamento sobre os japoneses: são os homens mais femininos do planeta).
Voltando à musa deste meu delírio hormonal em forma de texto, a japonesa ganha tempo de vida na arte diária da maquilhagem. Límpidas como pó talco já que no Japão o belo veste de branco, todos os dias a elegância é cerimonial. Enfim, parecendo bonita é-se bonita.

Meigas, não dizem asneiras, pedem desculpa na vez de agradecer, e na busca permanente de estar na moda automimam-se com acessórios artificiais ao corpo.
É difícil compreender o que é ser mulher estando do outro lado do sexo. Que seja feliz o ser que mais estimula o mundo em que vivo desde que eclodi da mulher mais importante da minha vida.
Sendo a japonesa o auge do ser feminino, a alquimia do dócil com a elegância, da maquilhagem com a educação, transforma a multidão de Tóquio num éden visual. É incrível a percentagem de mulheres que parecem bonitas.
As japonesas são gatinhas que não arranham. O seu miar baixinho é um hino à feminilidade.

Fotografias, aqui.

Provérbio japonês

O sapo do poço não conhece o oceano.