quarta-feira, abril 25, 2007

A anarquia dos guarda-chuvas

Eu que sempre ignorei a secção política dos jornais, li numa tarde livre um livro sobre anarquismo. É melhor sonhar o impossível que viver o conformismo.
O conceito de não-propriedade a que alude o anarquismo continua presente na impossibilidade das minhas ilusões. Que direito têm os David Beckhams do Mundo de possuir vinte BMW's estacionados quando há quem não tenha pés e caminhe?
(Todos sabemos a resposta. Se não souber, não fique em apuros, é possível comprá-la.)

Em Tóquio os guarda-chuvas são relevantes. Para muitas senhoras, combina com o vestido, mas nas práticas quotidianas, também abriga da chuva. Tudo aquilo que protege, assegura ou ampara é usado por japoneses e daí que qualquer chuvisco abra o objecto mais ergonómico.


Imagine-se então um aglomerado urbano com, por exemplo, dez milhões de chapéus-de-chuva ambulantes. A anarquia reina: não-propriedade. Saio de casa com o guarda-chuva comprado na loja de conveniência, no café já mo levaram e pego noutro sem pedir licença, e mais tarde faço uma troca amigável com um citadino invisível. De facto, quem anda à chuva molha-se, mas "nokorimono ni wa fuku ga aru" diz que a sorte existe nas sobras.

quinta-feira, abril 19, 2007

Bem-vindo a casa, Mestre

O turismo do Ocidente aflui a Akihabara em busca de máquinas fotográficas, ipod’s, computadores, cabos, chips e outras pechinchas electrónicas. Os consumidores mais devotos rapidamente desvendam o mito dos preços baixos, mas de nada têm a desiludir-se da ida ao Bairro Eléctrico num Sábado ou Domingo.

Akihabara é a Meca da sub-cultura otaku, um termo japonês que se refere a pessoas obcecadas por videojogos ou animação, e que traduzido no meu dicionário de português coloquial significa cromo.
Uma das suas predilecções é serem tratados como heróis, e nos Maid Café de Akihabara exploram a menina subserviência vestida de empregada vitoriana. São pessoas que vivem num mundo trapezista entre as vidas perdidas nos videojogos e o desperdiçar da vida fora dos limites da animação digital.

Descobri que fui “otaku”, por ter viciado a infância em séries de animação japonesa, como Tom Sawyer ou a minha preferida Willy Fog - A Volta ao Mundo em 80 dias, entre tantas outras criadas pelo estúdio Nippon Animation.
Desde Heidi a Tsubasa, Dartacão e Songoku, a fábrica de personagens do Japão tem vindo a entusiasmar os olhos das crianças do mundo. E os dedos também: Nintendo, Sega, Playstation.

Passeio o meu olhar em Akihabara, a gente otaku joga videojogos, e eu mais uma vez delicio-me a jogar Japão.

Fotografias, aqui.

sábado, abril 14, 2007

Dicionário de japonês III - Gíria

shou - muito
ossu - bom dia
doshita no - que se passa?
nampa - engate
abune - perigoso
ne - nao é?
sugee - extraordinario
maji de / usou - a sério?
sou dayo - é isso mesmo
kakke - fixe
un - sim
uun - não
omoshiree - interessante
chigauyo - não é assim
kuso - merda
mata ne / jaa ne- até logo

quinta-feira, abril 12, 2007

Tate-mae, o esconderijo da verdade

O risco de fiar num sorriso nipónico enfrenta a dualidade ética da sua cultura: ser social Vs ser pessoal. Na vida formal dos japoneses (o mesmo que dizer todos os dias), os seus sentimentos e opiniões nem sempre expressam o que realmente sentem, mas o que é conveniente ser dito, para evitar que a franqueza agrida ou emocione.

Esta aparente mentira em prol da harmonia é o "Tate-mae", considerada uma estratégia para suavizar as relações. Se a verdade pesa, o japonês guarda-a para si e afirma algo que soe agradável. O que se traduz numa gentileza falsa.
O conceito de “Hon-ne” reflecte o reverso, o pensamento verdadeiro, frequentemente escondido pelo "Tate-mae" ou pelo silêncio.
E o importante papel da embriaguez no Japão revela-se também no feitiço de desobstruir o "Hon-ne" dos seus habitantes.

Não é fácil para um latino adaptar-se a estas vozes simpáticas, depois de aprender com seu pai a ouvir aquilo que não quer ouvir, a ouvir a verdade que dói. Mas constrói. Certamente que os papás do Japão fazem o mesmo com os seus filhos, largando o "Tate-mae" na alfândega da verdade, a intimidade.

segunda-feira, abril 09, 2007

Dicionário de japonês II - Anglicismos

raita = isqueiro
hoteru = hotel
kisu = beijo
painaparu = ananas
miruku = leite
bata = manteiga
juusu = sumo
keiki = bolo
hotto = quente
doa = porta
rasto = ultimo
rishiito = recibo
purei = jogar
biru = cerveja
bai bai = adeus

sexta-feira, abril 06, 2007

País paradoxo

Talvez seria mais simples dizer que o Japão é e não é um paradoxo. Assim entende-se mais profundamente o que este país leva a matutar. Mas os meus dedos não param de embalar o teclado…

...

Que visão estranha não ver entulho nem contentores de lixo nas ruas. Piriscas de cigarros, para onde vão no meio da fumarada destressante? (Para o local devido.) Evaporam-se no respeito nipónico.

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No último dos países desenvolvidos em que os direitos femininos começam a ser restituídos ao congénito, a tradição vestida de empregada ainda serve primeiro o filho esgrouviado e depois a mãe doutora que o vem visitar.
(E as senhoras que se juntam à bola masculina, sem arbítrio social machista?)

Japão, Japão, aproveito para confessar, (Não a Deus; aproveito para dizer adeus a Deus) que esta é das circunstâncias que somente me permites tolerar: é Verão, e o sol reflecte nos prédios a humidade que gruda; entro no metro no café ou na empresa, dou um passo e estou em Dezembro; é Inverno, e o sol reflecte nos prédios a brisa que congela; entro no metro no café ou na empresa, dou um passo e estou em Agosto. Como me condiciona o ar artificial.

Mas as meninas do colégio não se apoquentam. É novamente Inverno e a saia curta conjuga com o cachecol. As senhoras dos passeios no bairro de Ginza ou outras cidades-shopping, enchem a sua carteira Louis Vuitton com produtos da loja de 100 ienes.
Não podendo me viciar na cafeína lusa, uma esplanada ao sol permitia-me esclarecer que a saudade é falsa. Mas comer e beber ao ar livre, ou o prazer de um passeio a trincar o fruto do desejo, é visto com sobressalto pelo olhar samurai. Até chegarem as flores da primavera ou o fogo-de-artifício. E os piqueniques... "Desculpe, este lugar já é nosso, hoje vamos mastigar no exterior. Com licença." Li algures que se a indústria do sexo do Japão fosse uma nação independente, era a 60ª maior economia do Mundo. Atrapalha o meu raciocínio ser claramente (ou timidamente?) o país com menos actividade sexual do Mundo. (cf. estudo aqui).
...
O cidadão nipónico vive num tempo de transição. Quando algo lhe atinge o presente, já é passado. (Não se muda o que é tradição porque a mudança é ela própria tradição.)
Os japoneses vivem a antecipar problemas, a rever a agenda e reservar bilhetes, a preparar o futuro. Mas não há tempo verbal Futuro na gramática japonesa.

O Japão não existe para ser entendido. Afirma e nega o mesmo. Fala simetricamente de uma verdade. Uma verdade inacreditável, o Japão.
Fotografias, aqui.

quinta-feira, abril 05, 2007

Inconsciência

Escutei, ontem, ecos da inconsciência, e percebi como o bonsai se ramifica dentro de mim.
"Desculpe, estou cansado, vou falar em inglês.", e comecei de seguida a oração, em japonês. A ouvinte riu-se na minha frente mas eu continuava inconsciente.
Esquecera quão perto estou do longínquo.

quarta-feira, abril 04, 2007

Sakura, és vida em natura

É a tulipa da Holanda
Ou a papoila do Afeganistão?
Nem o cravo da Revolução!
Vou cessar a nomenclatura.
A flor mais admirada é do Japão,
Cresce na cerejeira Sakura.

Antes de chegar Abril
Principia a desenvoltura.
Traz o rosa primaveril,
Dispara a máquina que perdura.

Na ilha das modernas tradições,
Ao cinema das flores, o hanami,
Correm nipónicas multidões,
Jamais algo assim vi.

Junta-se a família, em piquenique.
Esgota a garrafa de saqué
Antes que a flor seca fique.

À noite, flocos de neve.
De dia, algodão doce.
Onde floresceria tão breve
Se no Sol Nascente não fosse?

Sakura, és vida em natura.
Harmoniosa,
Como a gente deste Japão.
Efémera,
Como a batida do meu coração.


Hanami, aqui.

segunda-feira, abril 02, 2007

A formiga pede desculpa por ir descansar

Quantos trabalhadores japoneses consomem a vida em horas extraordinárias. "Osakini shitsurei shimasu", não se esquecem de desculpar-se diariamente: “peço desculpa por estar a deixar o trabalho mais cedo do que você”.
O Japão adopta o sistema de promoção por senioridade e emprego para toda a vida, e por isso o número de horas passadas na empresa é o barómetro de lealdade e dedicação de um empregado, critério essencial para “fazer carreira”, ou seja, ser promovido no engodo do capitalismo.
Os pinguins da corporação não são obrigados a trabalhar longas horas, antes estão dispostos e acostumados a fazê-lo. A empresa torna-se a sua família, e a vida profissional prioritária à vida pessoal: muitos não gozam os raros dias de férias a que têm direito por medo de perder o emprego.



Esta dedicação obreira contribui para que o Japão seja ainda a 2ª maior economia do Mundo, mas a excessiva industrialização do corpo tem consequências na semântica. Existe uma palavra japonesa ("karoshi") que significa "morte por horas extraordinárias". (Não foram poucos os casos ocorridos no Japão.)

De traje vestido transformam-se no salaryman e na office lady. Salaryman… o homem do salário, o sustento de uma família, dinheiro em forma humana. Office lady… a senhora do escritório, a secretária, o país desenvolvido com menos mulheres nos mais altos cargos empresariais.
Estes super-heróis do emprego não usam "Konnichiwa" nem "Sayonara" para se cumprimentarem. Um "Otsukaresamadesu" constante congratula o colega pelo seu esforço e deseja bom descanso.



Formados para servir e não questionar o superior, acomodam-se à secretária. É o local de trabalho e muitas vezes a sua mesa de almoço e jantar. Chinelos e escova de dentes não faltam, porque, afinal, estão em casa.

Só no final do trabalho o álcool ajuda a relaxar do aperto da gravata. No dia seguinte o Sol Nascente voltará a tornar-se a luz do escritório.